Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Nova regra fiscal, mesmo frouxa, não comporta as aspirações do governo

Principais políticas anunciadas implicam aumento de despesas

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O objetivo principal de uma regra fiscal como a apresentada esta semana é evitar que a dívida pública cresça excessivamente. Isto é essencial. Não há país de renda média que tenha se tornado rico estando pendurado em uma dívida pública insustentável. A vida dos mais pobres só melhorará se o país crescer mais e de forma persistente, abandonado os voos de galinha das últimas décadas.

Este não é o diagnóstico da maioria dos políticos e economistas do governo atual. Eles veem pouco problema em uma dívida crescente e acreditam que as mazelas do país serão resolvidas por novos programas públicos.

Arthur Lira, presidente da Câmara, e Fernando Haddad, ministro da Fazenda, durante entrevista coletiva sobre a nova regra fiscal - Ueslei Marcelino - 18.abr.23/Reuters

A PEC da transição (Emenda Constitucional 126/22) e outras medidas tomadas ao final de 2022 sinalizaram a preferência do atual governo. Mesmo antes de assumir, o governo eleito pediu e conseguiu do Congresso autorização para aumentar o gasto, em caráter permanente, em R$ 210 bilhões. Especialistas argumentaram à época que com R$ 70 bilhões seria possível organizar os programas públicos. Mas o novo governo insistiu em obter espaço muito maior.

Para não dar carta branca ao governo, o Congresso, na mesma PEC da Transição, determinou que uma nova regra fiscal fosse aprovada. Do contrário, permanecerá válido o teto de gastos, revertendo-se o aumento então concedido. Logo, o governo tem que aprovar o novo arcabouço fiscal não para gastar menos, e sim para continuar gastando mais.

A consequência é que a proposta tem o caráter dúbio de permitir que o gasto cresça entre 0,6% e 2,5% acima da inflação, todos os anos, e prometer que vai obter aumentos de receitas para pagar a despesa crescente. Com isso, tenta acomodar a convicção pró-gasto da maioria dos membros do governo com a exigência feita pelo Congresso.

Entramos em 2023 com um déficit recorde de R$ 228 bilhões, quase todo provocado pela PEC da transição e medidas conexas. Não é herança maldita. Foi escolha consciente do atual governo. Com esse ponto de partida ruim, fica mais difícil voltar a gerar superávits e ser capaz de controlar o crescimento da dívida.

Se a despesa crescer perto do limite superior fixado pela regra fiscal (2,5% acima da inflação), ela avançará mais que o PIB, que raramente tem superado os 2%. Portanto, é muito aumento de gasto.

Contudo, esse limite se torna acanhado quando se percebe que, à margem da regra fiscal, as principais políticas anunciadas pelo governo implicam aumento de despesas: regra permanente de reajuste do salário mínimo, reajuste salarial e contratação de servidores, renegociação de dívidas da população.

No lado da receita, a intenção de arrecadar mais também esbarra em políticas já anunciadas: redução de pagamentos de dividendos das estatais ao Tesouro, suspensão das concessões e privatizações, aumento de incentivos e subsídios à indústria.

A lista de desejos não cabe no arcabouço, mesmo que frouxo. É o governo em conflito com sua própria regra.

Adicionalmente, o fim do teto de gastos implicará a volta da vinculação dos gastos mínimos de saúde, educação e emendas parlamentares ao crescimento da receita. Um modelo ineficiente, que provoca oscilações nos recursos disponibilizados, levando a interrupção de programas e desperdícios. Provocará aumento de gastos já em 2023.

Para cumprir a regra, serão necessários seguidos aumentos da receita líquida do governo, que, em 2027, precisaria estar 3 pontos percentuais do PIB acima da média observada em 2010-2022. São mais de R$ 300 bilhões em valores de hoje. Isso não se obtém fechando brechas e revogando privilégios. Será preciso aumentar impostos. O que derrubará o nosso já magro crescimento.

Não vindo a receita, os aumentos de gastos desejados pelo governo implicarão cortes em programas importantes, como financiamentos à agricultura, fundo penitenciário, merenda escolar, vigilância sanitária, meio ambiente, urbanização, prevenção de desastres.

A terceira possibilidade é abandonar a regra, não subir impostos nem limitar despesas. Aí a inflação subirá, a dívida ficará fora de controle, a mediocridade do crescimento se perpetuará e os pobres pagarão a conta.

Não existe novidade: escolhas terão que ser feitas.

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