Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Descrição de chapéu América Latina

Populismo de Lula pode ser projeto de longo prazo com alto custo social

'Se na Argentina estratégia de poder 'deu certo', por que não aqui?', deve pensar

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Lula tem adotado uma postura política coerente com o que a literatura chama de "populismo", caracterizado por líderes que se dizem representantes e defensores do "povo", em contraposição à "elite", insensível e gananciosa. Exemplo típico está em falas como: "Por que as pessoas são obrigadas a sofrer para garantir a tal da responsabilidade fiscal deste país? (...) Você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social e não tira um centavo do sistema financeiro".

A estratégia de "nós contra eles" tanto pode ser usada por políticos de esquerda, que enfatizam questões econômicas, quanto por de direita, que focam questões culturais e religiosas, a exemplo do que vimos com Bolsonaro.

Bolsonaro na Igreja Mundial com Valdomiro Santiago, durante campanha em 2022 - Willian Moreira - 23.out.22/Futura Press/Folhapress

Populistas usualmente têm maior tolerância com a inflação e geram déficits fiscais insustentáveis. São nacionalistas e protecionistas, bloqueando os ganhos de comércio internacional e subsidiando empresas nacionais por eles escolhidas. Os discursos e ações de Lula têm se encaixado nesse perfil.

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O então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de diplomação no TSE - Pedro Ladeira - 12.dez.22/Folhapress

Analistas questionam em que momento haveria mudança de postura, considerando que manter essa rota resultaria em uma crise econômica que custaria a Lula e ao PT a derrota na próxima eleição. Em "Populist Leaders and the Economy" (Funke e coautores, 2020) questionam a ideia de que desastres econômicos tiram os populistas do poder.

O artigo analisa um banco de dados com quase 1.500 líderes nacionais, desde 1900, classificando-os em populistas ou não populistas. Utilizando técnicas estatísticas bem estabelecidas, mostram que, após 15 anos da chegada ao poder de um líder populista, de esquerda ou de direita, a renda per capita é 10% mais baixa em relação a um cenário contrafactual, em que não houvesse uma liderança populista.

Apesar do grande e duradouro estrago econômico, é comum que líderes populistas sobrevivam no poder por uma década ou mais. Em média, ficam oito anos no poder, ante quatro dos não populistas. E têm maior probabilidade de retornar posteriormente, para novos mandatos.

A opção pelo populismo parece politicamente racional. Ainda que de alto custo econômico e social.

Um exemplo da resiliência política do populismo está no peronismo. Desde que Perón chegou ao poder na Argentina, em 1946, as políticas por ele inspiradas têm provocado decadência econômica. Apesar disso, o peronismo se mantém como a principal força política daquele país há oito décadas. Renasceu após a ditadura militar e sobreviveu à hiperinflação.

Juan Domingo Peron e Evita no dia da posse para seu segundo mandato na Presidencia, 4.jun.1952 - Reprodução

As relações de clientela criaram fidelidade política, tornando-se máquinas de gerar votos. A culpa pelos problemas econômicos sempre pode ser colocada em um bode expiatório: o FMI, as elites, o imperialismo internacional, a sabotagem da oposição, o Banco Central.

Se na Argentina a estratégia de poder "deu certo", por que não daria no Brasil? Talvez esse seja o cálculo de Lula.

Segundo dados do Maddison Project Database, quando Perón chegou ao poder, a Argentina tinha a 9ª maior renda per capita. Superava, por exemplo, França, Bélgica, Noruega e Países Baixos. Em 2018, havia descido para a 64ª posição. A renda per capita caiu do equivalente a 57% da dos EUA, em 1947, para 34%, em 2018. Entre 1950 e 2018, cresceu apenas 133%, ante 354% da média mundial: 115ª colocada entre 145 países.

Os custos econômicos e sociais de uma estratégia populista seriam ainda maiores para o Brasil. Por ter começado o seu processo de destruição econômica a partir de uma renda muito alta, a Argentina teve gordura para queimar. A despeito do longo declínio, sua renda per capita ainda é 46% maior que a brasileira. Nunca fomos ricos, eles sim.

Os indicadores econômicos e sociais da Argentina são muito melhores que os nossos. Eles estão em 47º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, e nós, em 87º. Têm mais escolaridade, menos analfabetismo, menos pobreza, maior expectativa de vida. A desigualdade na Argentina é alta, porém menor que a nossa: entre 108 países na base de dados do Banco Mundial, estamos em 6º no ranking, e eles, em 18º.

Embarcar em um peronismo à brasileira terá custo socioeconômico alto e persistente.

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