Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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'Casar com viúva': populismo e agências autônomas

A governança regulatória mostrou-se resiliente no passado, mas há incerteza agora

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A crítica populista à democracia representativa tem longo pedigree à direita e à esquerda. Os que atuam entre o povo e os governos são seu alvo: os checks and balances, agências reguladoras independentes, Bancos Centrais, Supremas Cortes, instituições supranacionais (União Europeia) etc. Tudo em nome de um majoritarismo iliberal e um suposto déficit democrático. Expressa-se no questionamento recorrente sobre quem teria eleito os titulares dessas instituições.

Enfim todos os agentes que se antepõem ou limitam a expressão majoritária da vontade popular, que o líder populista supostamente encarnaria. O líder é símbolo e se define pelo que é, não pelo que faz. Não há nesses modelos espaço para a "accountability" democrática: punir e premiar o desempenho de líderes populistas seria uma contradição em termos. Se falham, é porque forças ocultas lhes obstaculizam a ação.

Fachada do edifício sede da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Fachada do edifício sede da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). - Agência Brasil

O imbróglio recente envolvendo Lula e presidente do Banco Central se inscreve nesta dinâmica mais ampla e não começou agora: é um padrão. Em 2003, Lula atacou as agências reguladoras criadas no governo FHC e prometeu mudar o papel dos órgãos. "O Brasil foi terceirizado. As agências mandam no país." Segundo ele, assumir o governo era como "casar com viúva": com o tempo, vai se descobrindo "manias e defeitos" que antes não eram sabidos. E ameaçou: "tudo isso [as decisões tomadas pelas agências sem interferência do governo] vai ser mudado, mas que é preciso tempo para mudar".

Não conseguiu.

Lula atacou reiteradamente o então presidente da Anatel, que renunciou ao cargo um ano antes do final de seu mandato. O ataque do governo foi concertado: Dilma, então ministra, interferiu na Aneel. A estratégia de neutralização das agências envolveu em muitos casos a não nomeação de diretorias, que desfalcadas não logravam atingir o quórum necessário para decisões, como mostramos no artigo em coautoria com colegas, Political interference and regulatory resilience, publicado em Governance and Regulation, 2019.

Fachada da Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações
Fachada da Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações - Alan Marques/Folhapress

No trabalho demonstramos —com evidências empíricas robustas— que os ataques não lograram alterar a governança regulatória no país: a institucionalidade mostrou-se resiliente. (O mesmo aconteceu sob Bolsonaro quando a Anvisa foi objeto de ataques do presidente). A fonte da resiliência é a estrutura político-institucional mais ampla do país que garantiu a credibilidade aos arranjos setoriais existentes. Será provavelmente muito barulho para nada? Sim, mas há um alerta amarelo: um jabuti criando conselhos que esvaziam as agências reguladoras. Estará Lula 3 dobrando a aposta em um contexto em que é francamente minoritário no Congresso?

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