Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Representante de quem?

A boa representação assenta-se no desempenho, não em símbolos ou na semelhança representantes-representados

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Da corrida à investidura presidencial foi grande a cacofonia em torno do que seria a boa representação política. A questão é importante na atual onda populista porque muitos apresentam-se como símbolos do "país profundo" e defendem que a boa representação é estabelecida pelo vínculo direto representantes-representados, sem mediações institucionais ou constrangimentos advindos da separação de poderes ou órgãos de controle.

A visão populista assume duas formas que Hanna Pitkin, em "The concept of representation", denominou de representação simbólica e representação descritiva. A primeira assenta-se na ideia de que o(a) bom (a) representante seria o símbolo da nação (pai dos pobres; descamisados). A segunda na similitude entre representados e representantes. O bom representante seria um uomo qualunque —um homem comum do povo, inclusive por certa ignorância ou boçalidade que lhe irá conferir autenticidade.

Fachada do Congresso Nacional, em Brasília - Roque de Sá/Agência Senado

Como mostrou Pitkin estas duas concepções são irreconciliáveis com as bases das democracias representativas. Há problemas específicos em cada uma delas, mas um elemento comum importante é que são incompatíveis com a accountability democrática que consiste em premiar ou punir, nas urnas, o desempenho de representantes investidos de um mandato.

Representar é uma atividade e não se reduz a um atributo dos representantes. Para maximizar a verossimilhança não seriam necessárias eleições, apenas um sorteio. O neotribalismo identitário populista defronta-se também com o paradoxo do mapa em escala 1:1, já analisado nesta coluna.

A boa ou bom representante não se mede pelo que ele ou ela é, mas pelo que faz; por suas ações, decisões, não pela similitude ou simbolismo vis-à-vis representados. Atributos dos indivíduos como etnicidade ou gênero, que independem do desempenho, não podem ser a régua da boa representação, e leva a formulações esdrúxulas como "mau indígena". A similitude é apenas uma variável, decerto crucial, que pode aumentar as chances de boa representação.

Contudo, o problema mais grave é que o suposto de que algumas lideranças encarnam os interesses e concepções morais de certos grupos —étnicos, comportamentais, linguísticos etc— pressupõe que não existe pluralismo em seu interior. Daí sua inconsistência radical com os ideais normativos das democracias representativas.

Este monismo vale para a concepção de povo ou nação que informa o populismo. É devido ao fato do pluralismo ("concepções diferentes do bem") que existem eleições. O ideal democrático é atingido pela alternância de poder e não pela crescente hegemonia de uma visão —ou mais tipicamente um líder— sobre as demais.

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