Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge

O mundo está cheio de Robinhos

O estupro talvez seja o único crime em que a vítima é julgada junto com o agressor

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Se a Justiça da Itália já condenou Robinho por estupro, acho que já podemos chamá-lo do que ele é: estuprador.

Pois bem, o estuprador Robinho e seus parças de estupro debocham e ameaçam a vítima, desdenham da Justiça e mostram de forma bastante didática aquilo de que o feminismo vem falando muito: a cultura do estupro. A troca de mensagens sobre o que fizeram na noite do crime é uma aula daquilo que está enraizado em muitas sociedades: a visão misógina de que a mulher é um produto que está à disposição para ser consumido. Tanto faz se ela realmente quer, se tem condições de decidir se quer.

"A mina estava extremamente embriagada, não sabe nem quem eu sou", foi umas das frases do estuprador Robinho.

Mas os áudios que chocaram boa parte do país, revelados na reportagem do UOL, foram também a razão de questionamentos de homens e, triste constatar, de mulheres, as mesmas pessoas que alimentam essa tradição que desumaniza os seres humanos e justifica todo tipo de violência.

O estupro talvez seja o único crime em que a vítima é julgada junto com o agressor. O que ela estava fazendo com tantos homens? Por que usar aquela roupa? Quem mandou beber tanto? São crenças como essas, que desde sempre foram encaradas como normas de comportamento, que enraizaram um fenômeno social que naturalizou a cultura do estupro. Não se trata apenas da violência sexual, mas de tudo o que acontece em nosso dia a dia e que começa pelo assédio, que só recentemente passou a ser questionado.

Não é natural que uma mulher tenha que pensar com que roupa vai, aonde vai, com quem vai, a que horas vai. E sempre haverá alguém que acha que ela está a fim, mesmo que diga "não". Está a fim por causa de sua roupa, porque bebeu, pelo quanto bebeu, do jeito que dançou, no lugar em que está, porque são duas da tarde ou duas da manhã.

Isso é consequência da cultura do estupro.

Cultura do estupro é puxar pela cintura, pelo cabelo, pela roupa, pela bolsa, como se a mulher não fosse capaz de andar com as próprias pernas em direção do "sim" ou do "não". É levar passada de mão na bunda, encoxada, lambida, dedada, no meio da multidão, numa rua escura, num bar iluminado, no canto de uma festa ou no centro dela. Cultura do estupro é aquela forçadinha da perna para o lado, da blusa para cima, de mão dentro da calça quando tudo isso não é estimulado.

Cultura do estupro é acreditar que um beijo é meio caminho para o sexo. Um corpo fala e se ele não diz "sim" é porque é "não". Mulher pode mudar de ideia no meio da conversa, no caminho do motel, pelada em cima da cama. Ser xingada de baranga, de gorda, de qualquer coisa, apenas por dizer "não", é reflexo da cultura do estupro.

Carregar uma mulher que esteja sob efeito de álcool ou drogas, ou seja lá o que for que a tenha deixado vulnerável, incapaz de discernir sobre seus atos, e submetê-la a qualquer tipo de intimidade é selvageria, é maldade, é tortura, é estupro. E o mundo está cheio de Robinhos esperando uma desculpa para fazer a mesma coisa que aconteceu naquela boate em Milão há dez anos, quando o ex-jogador e seus amigos estupraram uma mulher albanesa que comemorava seus 23 anos.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.