Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge

Mulheres são criadas para serem rivais?

As amigas são o alicerce da vida e o porto seguro na velhice

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nesta semana, a antropóloga Mirian Goldenberg quis me entrevistar para um novo trabalho e eu topei, não porque ache que tenho algo a dizer, mas porque é também minha amiga e conversar com ela durante duas horas sobre assuntos dos quais ela entende melhor do que ninguém é um presente.

Lá pelo final das duas horas de papo, Mirian me fez o seguinte questionamento: Há uma coisa que eu observo que você dá muito valor, mais do que o amor, o casamento, o trabalho. Está em todas as suas postagens. Você valoriza, dá espaço, celebra muito. Eu diria que é uma marca registrada sua. O que é?

"A vida?", perguntei. Ela disse que não. Pensei, em silêncio, é a bebida, estou sempre com um copo na mão, nas festas, nos restaurantes, na praia. Senti vergonha, talvez tenha que rever, não a relação que tenho com o álcool, que está sob controle, mas a imagem de alcoólatra que estou passando para o mundo.

Três mulheres abraçadas e gargalhando
As mulheres amigas se protegem, se amparam e se amam - Sabrina/Adobe Stock

"As amizades com outras mulheres", ela disse, interrompendo minha divagação, me salvando de mais alguns anos de terapia, se apontasse qualquer coisa que despertasse em mim a síndrome da estagiária, que me consome toda vez que estou diante de uma tela em branco.

Sim, carrego comigo amizades com outras mulheres tão longas que se confundem com minha própria história. Elas estão lá em todas as melhores e piores lembranças. Agora, ao pensar nelas, as vejo sorrindo, gargalhando, me levando pelas mãos, me recebendo num abraço, me acolhendo com palavras. Há outras com quem completei bodas mais recentes, mas não menos sólidas.

Eu tenho fascínio pelas mulheres, por aquelas que são parecidas e por outras tão diferentes, exatamente por serem diferentes. Porque me completam, porque me mostram o mundo com um olhar que não é meu, sentem dores que não são minhas. Jamais pediria para vir outra coisa que não fosse mulher, se algo como reencarnação de fato exista. Estou presente, estendo a mão, pego um avião, dirijo por horas, não porque sou boazinha, porque preciso delas para me alimentar de vida, de amor, de juízo, de loucura.

E isso não quer dizer que eu goste de todas as mulheres. De muitas eu quero é muita distância. Mas uma das "grandes verdades" que têm sido propagada nos últimos tempos, pelo menos para mim é uma novidade, é que as mulheres são criadas para competir, que isso é mais uma tática do patriarcado para alimentar uma rivalidade que serve aos interesses de um mundo machista.

Imagino que aconteça, mas perdi essa aula.

A herança que recebi de minha mãe e de minha avó materna, que sempre encheram a casa de companhias femininas, é de união. Suas amigas se tornaram minhas tias, título que permanece até hoje, apesar de eu não ter mais idade para chamar quase ninguém assim. Testemunhei a importância desses laços, sem que elas tenham falado de sua importância, e tenho muita dificuldade com o discurso da competitividade entre mulheres porque o exemplo e a lição que recebi foram opostos.

Eu era encantada por elas, ainda sou, porque vieram delas o amor que tenho pelas mulheres e o espaço que têm na minha vida. Desde pequena, eu me sentava à mesa da cozinha na casa da minha avó e ficava horas ouvindo as conversas, as alegrias, os dramas e testemunhava mais do que um café da tarde entre amigas, um pacto sagrado, e silencioso, de comunhão.

Minha criação foi de sobrevivência, o que exclui a preocupação de ser mais bonita do que a Mariazinha, mais esperta que a Joaninha, muito menos ser mais prendada do que a Carolzinha. Não fui ensinada a ser nada disso para arranjar o melhor casamento, uma das explicações para o surgimento dessa rivalidade.

No meu entorno, o matriarcado era quem mandava desde sempre e eu vi mãe, avó e tias acumularem turnos de trabalho e de estudo, se tornarem professoras, mestres, doutoras, executivas, enquanto criavam os filhos, faziam permanente no cabelo, costuravam fantasias de Carnaval para que elas e os cônjuges se esbaldassem nos clubes, entre cafés da tarde e caipirinhas nas happy hours. Desde sempre o meu mundo foi dominado por mulheres que se protegem, se amparam, se amam.

Mirian me disse que a amizade entre mulheres é o fator que mais pesa positivamente para um envelhecimento saudável. Faz sentido. Não seria a pessoa quem sou sem as minhas amigas. Elas são o alicerce da minha vida e o meu porto seguro na velhice. E sei que é recíproco. Recomendo.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.