Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Mario Sergio Conti

Crapulices de capa e espada

D'Artagnan, Marx, Richelieu, o Capitão e os três mosqueteiros se engalfinham na arruaça

Ilustração de Bruna Barros para Mario Sergio Conti de 27.out.2018
Bruna Barros

O que acontecerá amanhã é produto da crise econômica e da resposta que o PT, e as forças que se opõem ao partido, deram a ela. Num plano acessório, ideológico, a eleição de domingo será fruto do vaivém da corrupção política nos últimos anos.

O suborno de agentes políticos não começou ontem. A construção civil financia o sistema político desde 1946. A partir da megaobra de Brasília, ela se tornou um pilar da economia. Na ditadura, empreiteiros corrompiam quadros do regime sem a intermediação de uma casta à cata de votos.

Com democracia, Odebrecht & Cia voltaram à política. Ensinaram o caminho das emendas aos caipiras da agroburguesia. Parte do PT se vendeu e sua direção se calou. Imaginou que o partido não seria punido porque o sistema político inteiro estava no mercado —e representava só a si mesmo.

"O 18 Brumário", que investiga um golpe de Estado, diz que a crise de representação leva a burguesia a sufragar a espada. Como o desenlace do processo será amanhã, é melhor adotar o timbre cauteloso, mas rocambolesco, de um capa e espada clássico, "Os Três Mosqueteiros".

Aí Athos, Porthos e Aramis desembainharam os floretes. "Abaixo a corrupção", apregoavam de dia os mosqueteiros da ética. À noite, entre risotas, cochichavam: "Um por todos e todos pela propina". À sorrelfa, Temer, Cunha e Aécio amealhavam alforjes de ouro.

Enquanto isso, Milady Dilma traía seus eleitores e os encarcerava no desemprego e no endividamento. Os mosqueteiros, solertes, aproveitaram para arremessar-lhe pautas-bomba, cascas de banana e, ó céus, atribuir-lhe pedaladas fiscais —Deus ex machina que nem Alexandre Dumas imaginaria.

Melíflua e adúltera, Milady logrou unir contra si duques iliberais, bispos estufados de escolástica, ideólogos de cachimbo e tênis, economistas com calculadoras compradas de camelôs de Harvard, a sociedade incivil. Os aldeões, bestializados, não moveram foices e martelos para salvá-la.

A álacre fronda foi liderada por um ídolo de mancebos e mocinhas nos confins do reino. D'Artagnan, o galante capa preta provinciano, empinava o cavalo, agitava o chapelão, dava vivas à probidade política. Resistir ao atrevido Moro, quem haveria de?

O Capitão não resistiu. Qual a soubrette Janaína, um frisson lhe percorria a espinha ao contemplar o perfil másculo do gascão de Curitiba. No satânico churrasco em que Milady foi picanha, porém, avisou que só um torturador de truz poderia botar os campônios no eito de sol a sol.

O folhetim degringolou porque a economia continuou no buraco: em lugar da fartura do país de Cocanha, lucros cadentes. E também porque Cunha, Aécio e Temer seguiram sendo Temer, Aécio e Cunha. Os mosqueteiros malas só queriam saber de malas.

Mesmo que dados a negociatas, os burgueses preferem negócios. Já os aldeões, inquietos, deram de dar ouvidos a profetas de alma turva. Deixa comigo, bradou D'Artagnan, atirando o anacoreta de São Bernardo numa masmorra paranaense. Debalde. A lamúria de uns e outros persistiu.

Eis que surgiu o cardeal Richelieu, o prelado mais ardiloso de seu tempo. Tinha um pé na cozinha e frequentava os salões mais elegantes da sesmaria, que o escutava embasbacada. Sabia "O 18 Brumário" de trás para frente e o tinha por falácia. Todos puseram os olhos nele.

O que Fernando Henrique Cardoso fez assustou leitores de Dumas e Marx. Apoiou a derrubada de Dilma com uma algaravia de paradoxos que mal ocultava o oportunismo. É duvidoso que a presidente tivesse caído se FHC se insurgisse contra a patranha.

Recusou-se a excomungar os mosqueteiros vigaristas. Ao contrário, permitiu que seus vigários fossem coroinhas na missa negra oficiada pelo Vampirão. A púrpura cardinalícia serviu ao burlesco intento de ungir um animador de auditório pontífice de Vera Cruz.

Richelieu viu as escaramuças e a pane da burguesia, incapaz de seu unir em torno de um candidato. Bulas choveram do exterior. O cardeal não se moveu. O resultado aí está: polícia nas universidades, milicianos à solta, mentiras cibernéticas, o obscurantismo a toda, a democracia por um fio.

Os democratas sabem do perigo por que passa o país. Por isso, ex-ministros tucanos se recusaram a coonestar o Anticristo. Disseram que votarão em Haddad, mesmo discordando dele em quase tudo. Honra a José Carlos Dias, Rubens Ricupero, José Gregori e Alberto Goldman.

José Carlos Dias, aliás, disse de Bolsonaro o que Marx escreveu sobre o ditador de "O 18 Brumário": "É um crápula".

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