Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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'Onde Nascem os Fortes' aponta um caminho para o futuro das novelas da Globo

Em 2017, a Globo passou a chamar as novelas exibidas na faixa das 23h de superséries. A decisão busca alinhar a emissora com produtores de conteúdo semelhantes, em especial canais americanos em língua espanhola e do México, que começaram a adotar esta nomenclatura alguns anos antes.

À primeira vista, trata-se do que os publicitários chamam de “rebranding”, uma estratégia de marketing destinada a dar uma nova identidade para um velho produto. O objetivo seria capturar a atenção de um espectador mais jovem, interessado em séries e que enxerga novelas como coisa de velho.

Por isso, antes mesmo da temática, o diferencial que salta à vista nas superséries é a duração, normalmente entre 50 e 70 capítulos. Não são nem os 180 de uma novela, que exigem fidelidade por sete meses, nem os 13 de uma série, que podem ser consumidos, se estiverem online, de uma só vez.

A primeira supersérie da Globo, “Os Dias Eram Assim”, confirmou a impressão de que não havia nada além de marketing por trás da nova etiqueta. A trama de Ângela Chaves e Alessandra Poggi, com direção de Carlos Araújo, revelou-se um novelão tradicional, sem nada de super nem de série. A produção se alongou por 88 capítulos e pareceu tão interminável quanto uma com o dobro de episódios.

Neste ano, porém, com a recém-lançada “Onde Nascem os Fortes”, a emissora está sugerindo um novo sentido para o que chama de superséries. Trata-se de uma produção mais ambiciosa, de olho em um público mais exigente, mas sem perder de vista que o seu maior consumidor é adepto de narrativas convencionais. 

Escrita por George Moura e Sérgio Goldenberg, com direção de José Luiz Villamarim, a supersérie tem 53 capítulos e já foi totalmente gravada. Isso significa que o público tem boas chances de ver o que os autores realmente desejaram mostrar, diferentemente do que costuma ocorrer com as novelas, vítimas de mudanças radicais, à medida que estão sendo escritas, em função da audiência e da repercussão.

“Onde Nascem os Fortes” tem poucos personagens centrais, o que permite a criação de tipos mais densos e ambivalentes. Cerca de 70% de suas cenas foram gravadas longe dos estúdios da emissora, no sertão da Paraíba, um recurso mais custoso, que implica ganho de verossimilhança. A paisagem, neste caso, deixou de ser um fundo de cena e se tornou um personagem da história.

A trama mostra o esforço de mãe e filha em busca do filho/irmão desaparecido em uma pequena cidade, após o rapaz brigar com o principal empresário do lugar, um coronel modernizado, por causa de uma mulher. Cássia (Patrícia Pillar) e Maria (Alice Wegmann) se enredam em uma trama que tem, ainda, um juiz mal-intencionado e um policial corrupto, além de um líder místico.

Não é um drama especialmente original, mas está permitindo uma abordagem mais densa que o normal na TV aberta. “Se a gente olhar para o Brasil do sertão do Lampião, do século passado, e o Brasil de hoje, em relação à Justiça, não mudou tanto”, diz Goldenberg. “A Justiça não é para todos, os laços de amizade e compadrio ainda interferem nas instituições. A bravura da Maria e da Cássia, em meio a essa brutalidade e aridez, move a história.”

“O que devemos fazer quando, depois de recorrer aos poderes constituídos, não obtemos respostas? Não temos essa resposta. Mas achamos que é bom tratar disso, refletir sobre isso”, acrescenta Moura.

A Globo faria bem se adotasse a duração e a qualidade de “Onde Nascem os Fortes” como ponto de partida para mudanças mais significativas na sua teledramaturgia.

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