Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Por uma revolução nas calçadas de São Paulo

Prefeitura transfere a responsabilidade das calçadas para os moradores, mas não é capaz de fiscalizar

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Em São Paulo, a lei determina que cada proprietário de imóvel deve cuidar da calçada em frente à sua casa. Assim que um buraco ou desnível aparece, o cidadão consciente vai lá e arruma. Se o problema não é resolvido, no mundo das leis ideais, o fiscal da prefeitura surge logo para bater na sua porta e convencê-lo a arrumar. Quem não arruma, toma uma multa e o resultado é uma cidade com calçadas bem cuidadas e funcionais.

Em São Paulo, evidentemente, o sistema não está funcionando. As calçadas estão esburacadas, a área para passagem de pedestres é insuficiente ou tomada por objetos. Nas ladeiras, as casas têm rampas para carros e degraus gigantescos, o que é proibido. Alguns moradores acham bonito colocar ladrilhos no lugar do cimento, mas o piso fica liso e perigoso quando chove. Donos de bar ignoram o espaço mínimo de 1,20 m e instalam toldos e mesas. Há irregularidades até na frente dos prédios públicos, como escolas, hospitais e terminais. Nas periferias, faltam calçadas. No centro, até o calçadão em frente à CET tem crateras.

Árvore no meio de uma calçada
Árvore, poste e toldo de bar estreitam a passagem de pedestres em calçada paulistana - Mauro Calliari

A prefeitura simplesmente não está fiscalizando as calçadas.

A Secretaria de Subprefeituras afirma que os fiscais autuaram 1.200 moradores em 2022. Desses, 353 foram multados. Não se sabe quantos de fato pagaram as multas. Isso mostra o tamanho do buraco. A cidade tem mais ou menos 30 mil quilômetros lineares de calçada. Se cada imóvel tem 10 metros de frente, em média, o número de imóveis autuados é 0,01% do total. Isso significaria dizer que de cada 10 mil imóveis, apenas um tem a calçada com problemas.

Mães com carrinhos de bebê, cadeirantes, idosos, crianças e até o estagiário de ortopedia do Hospital das Clinicas sabem que o problema das calçadas é muito maior do que os números oficiais mostram.

Além da falta de prioridade e de método, outro problema tem a ver com o número de fiscais existentes. São apenas 325 na cidade inteira. Cada um anda pela sua região com uma lista de centenas de "posturas" para avaliar. Isso envolve olhar para as construções, o comércio, as condições de higiene de bares, as mesas de restaurantes, etc etc até chegar nas calçadas. É fácil imaginar que, na prática, cada fiscal acaba olhando para onde quer olhar.

Não é complicado melhorar isso. Basta contratar mais fiscais e montar um sistema de visitas mais inteligente usando georreferenciamento para mapear as reclamações do 156 e dar prioridade ao assunto. A Secretaria das Subprefeituras foi convidada durante mais de um ano a discutir o assunto no Conselho de Transporte Municipal mas nunca apareceu.

Mas também é possível mudar o modelo.

Um modelo possível é que a prefeitura simplesmente passe a cuidar da construção e manutenção das calçadas, assim como cuida do asfalto.

Em várias cidades pelo mundo, é possível ver a calçada como uma faixa linear, às vezes com asfalto ou piso permeável parecido com o da rua. Se o leito carroçável é feito pela prefeitura, por que não as calçadas?

O custo seria irrisório (não é preciso mexer em todas, apenas nas que apresentam problemas) em comparação com o que já se gasta com asfalto. A prefeitura vai ter gasto quase R$ 2 bilhões no recapeamento de ruas em 2023 e uma fração disso no Programa Emergencial de Calçadas, que funciona apenas em regiões de muito tráfego de pedestres, e que também se esburacam sem fiscalização.

Há também possibilidades intermediárias e inteligentes. Em Curitiba, por exemplo, foi aprovada em 2023 uma lei que oferece alternativas para a divisão de custo das obras entre os proprietários e o Executivo municipal. A nova lei permite que a prefeitura participe do processo de construção de passeios pela cidade, seja fornecendo o material ou a mão de obra. Com isso, mantém-se a padronização das calçadas da cidade (que aliás, na região central, são excepcionais) e se permitirá em tese que até regiões mais pobres tenham calçadas dignas.

Estamos entrando em um ano eleitoral. Será que falar de andar a pé na cidade não traz votos? Nenhum dos pré-candidatos levantou essa pauta ainda, mas talvez o assunto possa ser mais interessante do que parece.

As calçadas são a base da convivência cotidiana e, não custa lembrar, onde acontecem a maior parte dos deslocamentos diários em São Paulo. 1/3 dos deslocamentos são feitos exclusivamente a pé e 2/3 dos deslocamentos totais envolvem o pé.

Esse mundo de gente que gasta sola de sapato pela cidade sabe da importância das calçadas em seus deslocamentos e na qualidade de vida. Talvez até pendam por algum candidato que tiver a sensibilidade para incluir os deslocamentos cotidianos entre as grandes pautas da mobilidade, a saúde e a segurança.

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