Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg

Eu também já fui enganada, manipulada e traída por um 'golpista emocional'

Será que existe alguém que nunca fez uma tremenda burrada por confiar em um grande amor?

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Meu marido me chama de "robozinha que nunca desliga". Ele brinca que eu deveria mudar meu nome para "ansiedade excessiva" e meu sobrenome para "angústia existencial". Diz que, em vez de "ócio criativo", eu sofro de "insônia produtiva".

Desde criança sofro com minhas noites de insônias, mas piorou muito com as barbáries e tragédias que estamos vivendo no Brasil. Em uma das minhas "insônias produtivas", inventei um joguinho de perguntas e respostas "meio Pollyanna", misturando as ideias de "eterno retorno" de Nietzsche, de "vontade" de Schopenhauer, de "projeto de vida" de Viktor Frankl, com as ideias dos filósofos estoicos, especialmente Marco Aurélio e Epicteto.

cena de documentário
Cena do documentário 'O Golpista do Tinder', disponível na Netflix - Divulgação
  1. Se eu soubesse que vou morrer no ano que vem, o que eu continuaria fazendo? O que eu deixaria de fazer? O que eu faria que não estou fazendo agora?
  2. Se fosse possível viver mil anos, o que eu continuaria fazendo? O que eu deixaria de fazer? O que eu faria que não estou fazendo agora?
  3. Se eu ganhasse 10 milhões de dólares, o que eu continuaria fazendo? O que eu deixaria de fazer? O que eu faria que não estou fazendo agora?
  4. Se eu estivesse condenada a repetir todos os dias, até o fim da minha vida, as mesmas coisas, quais seriam as coisas que me dariam alegria de repetir todos os dias? Quais seriam as que me provocariam sofrimento de repetir todos os dias?
  5. Se eu pudesse voltar ao passado, qual o conselho que eu daria para a menina que um dia eu fui?

O que continuaria fazendo?

Continuaria escrevendo, lendo, estudando, pesquisando, caminhando descalça na areia da praia, cuidando dos meus amores, lutando para acabar com as violências e os abusos financeiros que os mais velhos sofrem em suas próprias casas.

O que faria (que não estou fazendo agora)?

Gostaria de dançar, cantar, escutar mais música, rir e me divertir mais junto com os meus amores.

O que deixaria de fazer?

Pararia de me culpar tanto por erros do passado, não desperdiçaria um só minuto com vampiros emocionais, pessoas tóxicas, perversas, egoístas, parasitas e sanguessugas.

Qual o conselho que daria para a menina que eu fui um dia?

"Escute bonito" a história dos seus pais. Você vai se arrepender de não saber tudo o que eles sofreram quando eram crianças na Romênia e da Polônia, como foi a chegada deles no Brasil, como eles se apaixonaram. Você nunca vai compreender suas dores pois desconhece as dores deles. Hoje, quando "escuto bonito" meus amigos nonagenários, imagino que meus pais teriam 95 anos. Sinto uma tristeza imensa por não conhecer a história deles, e, por isso, não conhecer a minha própria história. Mas eles já se foram há mais de trinta anos. Se eu pudesse voltar no tempo...

Outro conselho importante que eu daria para mim mesma: "Não seja burra de se apaixonar, ficar amiga e confiar em ‘golpistas emocionais’. As feridas que eles irão provocar na sua alma e coração, além dos prejuízos financeiros e psicológicos, nunca irão cicatrizar".

Nunca fui vítima de um "Golpista do Tinder" (não vou dar spoiler da série que assisti na semana passada), mas já fui enganada por um "golpista emocional". Eu me arrependo amargamente, e ainda pago um alto preço pela burrada que fiz, de ter assinado um documento sem ler e um cheque em branco para um namorado. Fico me xingando: "Por que fui tão burra, estúpida e idiota? Por que confiei tão cegamente nele e não pedi um tempo para ler o documento antes de assinar? Por que assinei sem ao menos saber como seria usado? Por que não tive a lucidez, a prudência e a coragem de dizer não?"

Se, quando eu era bem mais jovem, eu tivesse uma bola de cristal para enxergar as consequências de todas as burradas que fiz por amor, não teria cometido tantos erros. Como não posso apagar as burradas que fiz, busco amenizar a culpa, a vergonha e a raiva que sinto de mim mesma com uma pergunta: Será que existe alguém que nunca foi enganado, manipulado e traído por "golpistas emocionais"? Será que existe alguém que nunca fez uma tremenda burrada por confiar em um grande amor?

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