Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Hoje sou reconhecida nos lugares mais esdrúxulos', diz atriz da série '3%'

Bianca Comparato celebra o boom do streaming e diz que polarização política fez ela perder 'amigona'

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“Hoje eu sou reconhecida nos lugares mais esdrúxulos”, conta a atriz Bianca Comparato, 33. Como na fila de entrada da casa noturna Berghain, em Berlim, na Alemanha. A boate é famosa pela música eletrônica, libertinagem e difícil acesso —um leão de chácara com a cara séria e tatuada decide na hora quem entra e quem fica de fora.

A atriz Bianca Comparato
A atriz Bianca Comparato - Eduardo Anizelli/Folhapress

“Eu estava na minha, ali, fazendo cara da pessoa mais ‘cool’ da face da Terra. E uma alemã me aborda, em inglês: ‘Are you the girl from ‘3%’? [‘Você é a garota da ‘3%’?’, referindo-se à série brasileira da Netflix na qual ela é protagonista]. Não é legal? Isso é incrível!”, celebra. 

A atriz, que também interpretou a personagem Betânia na novela “Avenida Brasil”, da Globo, diz amar a abordagem dos fãs. “Uma coisa é ser o Rodrigo Santoro. Óbvio que ele vai ser reconhecido. Ele faz filme em Hollywood!”, diz. 

“Agora, você fazer uma série na Vila Madalena, no Itaquerão [locais em São Paulo usados na filmagem de ‘3%’], e te reconhecerem... é f...”, compara. Em 2017, a atração foi a série de língua não inglesa oferecida pela Netflix mais assistida nos Estados Unidos. 

Nascida no Rio, Bianca começou a estudar teatro na British School, colégio na capital fluminense no qual ela cursou o ensino médio. De lá, engatou um curso na Royal Academy of Dramatic Art, em Londres. De volta ao Brasil, formou-se em comunicação com especialização em cinema e dedicou-se ao teatro até chegar à Globo, em 2004, quando estreou na série “Carga Pesada”. 

“Como ator, a gente trabalha para o público. Ser popular é uma coisa muito boa, inerente ao trabalho. Você está se abrindo, mostrando algo. Ter o retorno é a base de tudo”, conta Bianca, que, com a vida pessoal, é reservada. “Não quer dizer que eu não tenha naturalidade. Não escondo nem deixo de fazer nada.”

A espontaneidade fez com que, no polarizado ano eleitoral de 2018, ela discutisse em uma rede social com seguidores que a acusaram de “mamar na teta” da Lei Rouanet. “Falei que quem vivia na mamata era o [Jair] Bolsonaro e a família dele, que está no Congresso há anos e o que fez pelo Brasil?”

Ela também perdeu “uma amigona” pela discussão política. “Por decepção, não por briga. Não acreditava em tudo o que ela estava defendendo.” 

Hoje Bianca avalia que exagerou na agressividade. “Não quero ficar brigando com ninguém. Apaguei alguns posts, porque errei na mão, na maneira de me comunicar. Não foi por vergonha ou pra tentar apagar aquilo da história. Se alguém me mostrar esses posts hoje, falo: ‘Postei mesmo. E apaguei’ [risos].” Ela tenta reatar com a ex-amiga. “Vai acontecer!”, diz. 

“Todo mundo deu uma surtada em algum momento [de 2018], né? Falei: ‘Gente, por que eu fiz isso? Não sou essa pessoa’. Mas eu estava num desespero de tentar virar voto [contra Bolsonaro]. Só que aquilo não foi eficiente. Foi errado.”

“Brigando a gente não vai a lugar nenhum. É o que interessa a quem está no poder: ter grupos que não se falam”, avalia. 

“Como artista, me pergunto como posso me comunicar de maneira efetiva, sem polarizar. Qual é a linha inteligente, poética, de combater tudo isso [as narrativas alimentadas por fake news e beligerância].”

“Tento procurar projetos que discutem o que está acontecendo, que provoquem um pensamento. Acho que o papel do artista é esse.”

Sobre o boom dos serviços de vídeo sob demanda, Bianca é enfática: “Mudou a minha carreira. Eu só agradeço”. 

“O conteúdo [disponível para o entretenimento] melhorou para todos os envolvidos. Essa competitividade ajuda o nosso mercado a amadurecer”, diz. “A profissionalizar, fazendo com que gente que nunca pensou em trabalhar com entretenimento olhe e fale: ‘Cara, é um emprego legal’. Porque ainda existe preconceito, de ser uma vida incerta.”

“Mas hoje em dia está tudo incerto, né? Aí então equiparou todo mundo”, emenda. 

A atriz diz consumir informações via games, filmes, documentários, memes e jornais, brasileiros e estrangeiros. “Não consigo não pagar por aquilo. Porque sei que o jornalista sentou, pesquisou, escreveu. É diferente de alguém que escreve uma coisa sem apurar nada”, conta. “Teve um baque muito grande para a imprensa. Claro que isso também é uma chance de se reinventar”, avalia. 

A reinvenção, diz, norteia a sua carreira. “É um traço das minhas escolhas, largar uma coisa estável e falar: ‘Vou entender o que está acontecendo aqui’.”

“Quando veio o convite para trabalhar na Netflix, que vai fazer cinco anos, a empresa não era o que é hoje. Streaming não era essa força toda. Era muito incipiente. Tinha uma coisa grande de arriscar. E isso era muito excitante, porque tinha muita experimentação.”

Na época, Bianca não tinha mais contrato de exclusividade com a Globo. “Eu vinha fazendo coisas um pouco parecidas e queria me desafiar. Não ter exclusividade foi um trunfo, uma primeira porta que eu abri”, afirma. Ela não crê que o vínculo com concorrentes fechou portas na emissora. “Tenho grandes amigos ali. A Globo me fez. Eu aprendi a atuar lá.”

“O meu contrato não é exclusivo com a Netflix. Meu desejo é poder fazer. Amaria fazer uma série na Globo. Eu posso. O que me impede agora de fazer uma novela é tempo”, diz. “Essa liberdade de poder transitar não tem preço. É uma coisa que me motiva.”

“Você me perguntou o que eu achava de atuar em TV, teatro ou não sei o quê. Hoje, cara, não vejo mais tantos limites [entre linguagens]. O documentário está com cara de ficção, filme com cara de série. Não é mais dividido em setores, é uma linha horizontal em que tudo se cruza.”

“O que é hollywoodiano também mudou. Uma série da Amazon, da Netflix, é tão relevante quanto [produtos] dos grandes estúdios. Antes você tinha que pegar um avião e ficar em Los Angeles [meca do cinema americano] fazendo teste, porque senão nunca ia conseguir. Hoje, pode estar aqui e fazer uma reunião por Skype.”

Bianca dirige o documentário “Elogio da Liberdade”, que estreia neste domingo (31) no canal MAX. O filme discorre sobre a vida e a obra da jornalista e escritora Rosiska Darcy de Oliveira, ligada ao feminismo.

“Essa coisa da direção não foi muito planejada. A minha mãe é amiga da Rosiska. Um dia ela me falou: ‘Bi, por que você não conversa com a Rosiska e ajuda ela a fazer o filme que tanto quer fazer?’. Fiquei mais de um ano nessa ajuda de achar uma diretora ou diretor. Chegou um momento em que a gente percebeu que já estávamos pensando num filme.”

“Foi um aprendizado tão grande. Muitas coisa que a gente [mulheres] via como normal, vai aprendendo, com pessoas como a Rosiska, que não é normal. De coisas pequenas, do dia a dia, até coisas maiores.” 

“Eu tive isso em escalas menores do que mulheres que passaram por absurdos. Mas pensava duas vezes, por exemplo: ‘Eu vou andar naquela rua, então não vou colocar esse shorts, porque, né, vou provocar os caras’. Alô!? Não! Hoje em dia é: ‘Estou com calor, quero, devo e vou andar assim.”

“Na época da Rosiska, ser feminista era visto como pejorativo. Era fácil falar que [feministas] eram [mulheres] mal amadas, feias, que ninguém queria. Hoje, é motivo de orgulho. Vejo muito jovem batendo no peito e falando que é feminista. Não só mulheres.” 

“Acho maravilhoso [falar sobre o assunto]. Zero chato. Me dá prazer que isso possa chegar a mais pessoas. Os homens também têm que ser perguntados sobre isso. Todo mundo. É uma questão de convivência. A hora é essa e a gente não pode parar de falar.” 

No fim das contas, Bianca não entrou na balada em Berlim. “Fui barrada. Ela [a fã que a abordou na fila] me atrapalhou, na verdade [risos]”, brinca a atriz. “Porque se você fica conversando, o segurança já nega [o ingresso]. Ele que tinha que ter me reconhecido”, finaliza, dando risada.

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