Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Folhajus Boate Kiss

Comissão Interamericana admite caso Boate Kiss e vai apurar responsabilidade do Estado brasileiro na tragédia

Órgão afirma que evolução das investigações foi 'lenta e problemática' e aponta 'possíveis falhas no sistema judicial'

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A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) admitiu uma petição apresentada por familiares de vítimas do incêndio da Boate Kiss que cobra a responsabilização do Estado brasileiro pela tragédia ocorrida em Santa Maria (RS), em 2013. O órgão, agora, se prepara para analisar o mérito do caso.

A demanda chegou à comissão, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), em 2017. Seus autores afirmam que as vítimas morreram sob condições cruéis, desumanas e degradantes, sendo asfixiadas e pisoteadas, e acusam o Estado de não adotar as medidas necessárias para prevenir o incidente.

Uma mulher vestida de branco estende a mão sobre parede com cartazes; há outras pessoas repetindo o gesto atrás dela
Familiares e amigos fazem vigília em homenagem aos 10 anos da tragédia da Boate Kiss em Santa Maria, no Rio Grande do Sul - Tomaz Silva/Tomaz Silva - 27.jan.2023/Agência Brasil

Eles ainda apontam demora no desdobramento do processo na Justiça, impunidade e falta de reparação pelos danos causados. Para os familiares, foram violados os direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade, à segurança pessoal e às garantias judiciais.

No relatório de admissão do caso, a presidente da CIDH, Roberta Clarke, o primeiro vice-presidente Carlos Bernal Pulido e outros dois comissários afirmam que o relato apresentado pelos familiares sugere possível negligência e falhas administrativas que resultaram em um desastre com múltiplas vítimas.

"O incêndio é associado a uma longa sequência de ações e omissões, desde a alegada concessão irregular de alvarás e a negligência na fiscalização das condições de segurança da boate até a conduta de agentes públicos e privados antes, durante e após o incêndio", diz o documento.

"A Comissão Interamericana também nota que, embora as investigações tenham sido iniciadas rapidamente, a progressão para as etapas subsequentes foi notadamente lenta e problemática, com o decurso de mais de dez anos sem que o processo penal alcançasse seu fim", afirma ainda.

O recebimento do caso foi aprovado pela CIDH em 19 de junho deste ano, mas a comunicação da decisão a familiares das vítimas só ocorreu na terça-feira (10), quando foi disponibilizada a íntegra do acórdão.

"Para nós, é um dia muito importante. Agora, efetivamente, o Estado brasileiro é réu perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelo caso da Boate Kiss", afirma a advogada Tâmara Biolo Soares, que representa a Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM).

"Ainda existe um processo pela frente, será uma caminhada longa, mas esse passo importantíssimo foi dado em buca de justiça para os familiares. Isso inclui a prisão dos réus que foram condenados pelo júri e a responsabilização dos agentes públicos que se omitiram e contribuíram para que a tragédia acontecesse e ceifasse a vida de 242 pessoas", completa a defensora.

Na petição, os familiares afirmam, entre outros pontos, que o Corpo de Bombeiros não tinha equipamentos de proteção suficientes para resgatar as vítimas e se recordam do tratamento dispensado aos corpos daqueles que não sobreviveram.

"Os corpos das vítimas fatais foram levados para o Centro Desportivo Municipal. Enfileirados, aguardaram o reconhecimento por familiares e amigos. Após serem reconhecidos e entregues aos familiares, os cadáveres foram deslocados para outra área do ginásio onde, dentro de vestíbulos improvisados com cordas e lonas pretas, as famílias despiam, vestiam e preparavam seus mortos em caixões", relatam.

Ao enviar à CIDH a sua manifestação sobre o caso, em junho de 2022, o Estado brasileiro atribuiu os supostos atos de omissão, negligência e falta de cumprimento da lei ao município de Santa Maria, ao Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul e ao Ministério Público gaúcho.

Foi apontado que o município concedeu licenças de forma irregular e deixou de exercer seu poder de polícia, que o Corpo de Bombeiros foi conivente em uma situação contrária a normas de prevenção a incêndios e que o Ministério Público teria deixado de colocar sob embargo o funcionamento da boate.

O Brasil sustentou, ainda, que durante o processo penal foram realizadas 64 audiências e ouvidas 215 pessoas, o que mostraria a complexidade do caso, e disse que ações penais seguem em tramitação.

Por considerar que ainda há processos em curso e que todos os recursos judiciais disponíveis no país ainda não foram esgotados, o Estado brasileiro defendeu que a petição fosse rejeitada pela CIDH.

A comissão, porém, concluiu que a lentidão da tramitação do caso na Justiça justifica sua análise, uma vez que não haveria explicação para a demora.

"Os fatos narrados indicam que a lentidão observada reflete possíveis falhas no sistema judicial, como a demora na realização de audiências críticas e atrasos nas decisões judiciais, exacerbadas pela aparente falta de condições do sistema para lidar com casos de grande magnitude e impacto público", diz a CIDH.

A petição levada ao órgão internacional tem como autores a AVTSM, o Instituto Juntos, os conselhos regionais de Engenharia e Agronomia, Psicologia e de Serviço Social do Rio Grande do Sul, o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e o Sindicato dos Engenheiros do estado.

Depois de admitir um caso, a CIDH pode solicitar novas informações e provas às partes envolvidas e convocar audiências e reuniões.

Se decidir que o Estado praticou violações, o órgão pode fazer recomendações e até mesmo iniciar uma investigação oficial. Se as sugestões não forem seguidas, a CIDH pode levar o caso a julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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