Muniz Sodré

Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”

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Descrição de chapéu São Paulo

O futuro é idiota

Candidato mostra que idoneidade não atrai eleitores, voto não é selo de verdade, e o futuro é idiota

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Ao pedir desculpas por sua postura na campanha pela prefeitura da maior metrópole brasileira, Pablo Marçal oferece uma via de compreensão da atualidade política. Admite ter-se comportado como idiota com o objetivo, vitorioso, de subir nas pesquisas. Sua retratação não é mudança de atitude, mas retrato de uma estratégia: idiotia como caminho para o poder.

Não é demais remontar à origem da palavra. "Idiotes", na Polis grega, eram aqueles centrados em negócios privados, alheios à vida pública, que interessava aos "politikós". Os significados atuais das duas palavras derivam dessa oposição. Mas se tornou pesado o atributo de idiota, pois implica ignorância, estreiteza mental e desconexão com o mundo.

Entre nós, por semeadura de Bolsonaro ou fatalismo fonológico, a bilabial oclusiva "b" tem sido marca subliminar de palavras associadas ao destrambelho mental: bobo, besteirol, baixarias. Às vezes, na televisão, BBB, senão em pilares do atraso parlamentar, como Bala, Bíblia e Boi. O B de Bozo se esvaziou, perdeu eco, mas o oco fica à espera de que alguém o preencha. De idiotia renovada.

É que a mistificação idiotizada tem lógica própria: num determinado formato, o vazio de sentido é preenchido, como numa casca de noz, por significações secundárias, alheias ao original e, no entanto, funcionais. Acontece na propaganda, na tevê popularesca e no populismo das redes sociais. Quase uma segunda linguagem, de trânsito fácil na esfera dos "idiotes". Multidões participam à distância de um reality show.

Influenciador é um desdobramento desse infradiscurso. Agente de mídia com efeito na realidade, à cata de bode expiatório para a culpa inconsciente que cada um carrega, dispensa ideias, como um camelô de fantasias de imunidade a todos os males. Transposto para o vácuo da política, ele acena com o que chama de antissistema: esculacho dos políticos, transformação de defeitos em virtudes, liberdade de empreender, até o crime. Surpresos com a reação pública à sua "liberdade", os delinquentes do 8 de janeiro, civis e militares, julgavam-se empreendedores de patriotismo. De normalização do crime, na verdade.

Marçal garante que, com Deus, celular e rede social, todos podem empreender. Ficou conhecido ao vender a 30 pessoas um curso de como "superar a vida e tornar-se um vencedor": com ele à frente, escalariam o pico mais difícil da Mantiqueira. Terminaram, claro, resgatados às pressas por bombeiros. Mas, na retórica da xaropada, vexame é corda de alpinista na capitalização da idiotia. Dependurado, ele calcula que a Prefeitura de São Paulo seja o sopé de um novo pico, a Presidência da República. Um coach de inovadora ciência política: idoneidade não atrai eleitores, voto não é selo de verdade, o futuro é idiota.

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