Nicolás José Isola

Filósofo, mestre em Educação, doutor em Ciências Sociais, coach executivo e consultor em storytelling.

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Nicolás José Isola

Te odeio

Viver em sociedade é viver com os que são diferentes de mim

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Esta é uma coluna pessoal sobre nós dois.

O que acontece quando o que eu mais desejo no mundo é que você perca? O que acontece quando sua razão maior é que eu não exista, porque a minha forma de olhar o mundo atrapalha a sua?

É muito difícil transformar um país dividido se o objetivo principal de cada uma das partes é que esse país possa se libertar da outra. Como se edifica uma sociedade saudável e com futuro insultando aqueles que não pensam como eu? Como se constrói política quando o coração está obcecado em destruir o rival?

Neste domingo (30), os brasileiros decidirão entre duas opções que parecem irreconciliáveis, antagônicas (moramos dentro de uma história de Tolkien).

Fotomontagem com os rostos de Lula e Bolsonaro olhando um para o outro
Neste domingo, os brasileiros decidirão entre duas opções que parecem irreconciliáveis, antagônicas: Lula e Bolsonaro - Marlene Bergamo/Folhapresse e Adriano Machado/Reuters

A partir de segunda-feira (31) vamos saber por qual dessas pessoas o país será governado. Tanto perdedores quanto ganhadores terão que continuar morando juntos nesse espaço sagrado comum chamado democracia.

A violência verbal, a gritaria nas conversas, as divisões nas famílias nunca foram maiores no Brasil. A fenda brasileira dividiu tudo. Escalou demais. Não há diálogo que não tenha sido absorvido pela virulenta polarização política.

Certamente, existiram eleições nas quais a discórdia foi considerável, mas a escalada que estamos vivendo hoje é um fenômeno social cada vez mais pesado e incontrolável. Hoje, o eleitorado está muito mais dividido pelo ódio acirrado que pelas ideias e planos de futuro diferentes.

No território do monocultivo ideológico, a luta é contra os outros e não a favor de uma construção conjunta. A felicidade é que os outros percam. Essa é a mensagem que sobrevoa a conversa pública nos últimos meses. Esse é também o recado que as lideranças oferecem e que desce capilarmente até as bases: a nossa identidade é não ser eles, aliás, se for possível, a nossa identidade é viver sem eles.

Nessa agressividade narrativa, o adversário eleitoral não tem nada positivo para ser destacado. Absolutamente nada. Tudo nele é ruim. Cada um dos bandos reza: "Nós somos a luz; eles, a escuridão". Uma guerra simbólica que precisa eliminar o outro para ser vitoriosa.

Nós que trabalhamos com storytelling sabemos bem que não há um melhor gatilho para gerar maluquice nas audiências que a paixão. A paixão borbulha conexões e intensifica a percepção de ser parte de uma comunidade. Ela parece condensar uma visão específica do país e da história. É por isso, também, que cada bando coloca os fatos que convêm para seu propósito. Um bandejão de vieses.

A paixão ativa neurotransmissores no nosso corpo que acrescentam nossos vieses e fortalecem nosso posicionamento. Ela pode ser ótima, mas quando as sociedades se dividem, então a paixão cega a cidadania e impede encontrar caminhos racionais para as pessoas se encontrarem entre elas.

Assim, se constroem ilhas de diálogo onde só se fala com os próprios sobre quão nefastos são "os outros". Essas conversas só amplificam a própria voz sem sequer ajudar-nos a pensar nos nossos próprios limites ou pontos fracos.

Num texto chamado "Cartas de um Diabo a seu Aprendiz", o escritor C. S. Lewis diz que o desejo mais profundo do Diabo é "que todos sejam eu". Esse desejo narcisista e egoísta procura cancelar a vida do outro em tanto outro. "Eu seria melhor se você fosse como está bem ser, como tem que ser... Como eu".

O diferente de mim é um vírus a ser curado, uma anomalia a ser remediada, um erro a ser corrigido.

Já o dizia Sartre: "O inferno são os outros". Os outros como um obstáculo insuportável.

Não se engane, polarização não é brincadeira. Estraga famílias, destrói amizades, quebra instituições.

Nas nossas vidas pessoais, a impossibilidade de conseguir enxergar algum aspecto bom naqueles com os quais não coincidimos é um indicador claro de soberba. Viver em sociedade é viver com os que são diferentes de mim.

Eu sei que não é simples. Nesses tempos, é importante lembrar aquela frase de Mahatma Gandhi: "Seja a mudança que você quer ver no mundo".

É isso. A mudança começa por cada um de nós, dentro (de fato, ou começa por ali ou não começa de jeito nenhum). Eu penso diferente de você, mas preciso pensar um país junto com você.

Talvez, uma boa pergunta para fazermos seja: eu quero de verdade um Brasil para todos ou quero um Brasil só para aqueles que pensam como eu?

A resposta sincera dessa pergunta deveria modificar nossas ações e nossas conversas daqui em diante. Porque, sabe uma coisa?! Parece uma mentira romântica mas é uma matemática simples: ganhar uma eleição não é ser dono de nada.

O Brasil não é o país do 50% que ganhará amanhã. Não.

O Brasil é maior. É seu, é meu, é de todos.

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