Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa
Descrição de chapéu

Delações no armário

Acusações não confirmadas levam a questionamento do jornal

Leitor da Folha há mais de vinte anos, César G. Fricks escreveu à ombudsman com crítica incisiva: "Algumas reportagens investigativas que resultam em acusações são posteriormente negadas pelos envolvidos de forma que parece convincente ao leitor. No entanto, não há uma tréplica por parte do jornalista ou uma admissão de erro." A preocupação do leitor é pertinente.

Em 20 de maio, título na capa da Folha dizia: "Promotoria apura caixa dois da CCR para Alckmin". De acordo com reportagem de destaque do caderno "Poder", representantes da empresa relataram ao Ministério Público de São Paulo que cerca de R$ 5 milhões haviam sido destinados ao caixa dois da campanha do ex-governador tucano em 2010.

Em 3 de junho, Marcelo Martins de Oliveira, advogado de Alckmin, escreveu artigo na Folha em que afirmava ter obtido cópias integrais da tal investigação. "Nela simplesmente não consta nenhuma referência, muito menos acusação, sobre Geraldo Alckmin. O fato, noticiado como verdadeiro, não existe. Não havia nem sequer menção indireta ao ex-governador", afirmou.

O que a Folha fez a partir daí? Responde o leitor: "Nada mais foi publicado a respeito."

Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB à Presidência da República e ex-governador de São Paulo
Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB à Presidência da República e ex-governador de São Paulo - Zanone Fraissat - 17.mai.2018/Folhapress

O editor de Poder, Fabio Zanini, disse que a reportagem refere-se a negociação de acordo de delação e leniência da CCR com o Ministério Público. "Nesses depoimentos preliminares, houve a revelação de caixa dois para o cunhado de Alckmin. Não tomamos o dado como verdade, apenas descrevemos um fato e atribuímos a autoria da informação. E demos espaço para o outro lado."

Segundo Zanini, a Folha baseou-se em fontes com acesso à negociação da delação, que ainda não foi formalizada.

Jornalistas costumam gracejar sobre cadáveres escondidos no armário. A imagem, por vezes, volta-se contra eles.

Em 14 de junho de 2016, após revelação inicial feita pelo jornal O Globo, a Folha apurou, confirmou e publicou em manchete: "Marina queria evitar elo com empreiteira, diz sócio da OAS". A reportagem tratava da negociação de delação do empresário Léo Pinheiro, dono da OAS, na qual apontaria que a campanha de Marina Silva teria recebido dinheiro da empreiteira por meio de caixa dois. Marina nega peremptoriamente tal negociação.

O jornalista Nilson de Oliveira, que integrou a Coordenação de Comunicação de duas campanhas de Marina à Presidência (2010 e 2014), apontou falhas na reportagem. O editor de Poder afirmou que todas as informações do texto tinham sido checadas com dois interlocutores de Léo Pinheiro e dois investigadores da Operação Lava Jato.

Faz dois anos da manchete e até hoje a delação não foi homologada. A Folha não publicou nenhuma linha que, por investigação própria, pudesse lançar luz sobre o episódio.

O caso voltou à tona em 7 de junho, após o TSE anunciar o que definiu como "a primeira decisão sobre um caso de divulgação de notícias falsas na internet." O tribunal mandou o Facebook tirar do ar cinco publicações feitas em 2017 que associam Marina a pagamentos feitos por empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato. Elas são baseadas em notícias publicadas pela Folha e outros órgãos de imprensa.

Oliveira voltou a escrever, cobrando correção da notícia de 2016. Zanini reafirmou que a reportagem "atribui tudo a Léo Pinheiro e oferece espaço ao contraditório". Reconheceu que "o acordo desandou e até hoje não foi assinado".

E como fica o leitor? Sem saber em quem acreditar, fica dividido entre a versão de acusadores e acusados.

Por mais que reconheça que a Folha buscou trazer à tona informações de interesse público, considero que falhou, por limitar-se a reproduzir informações sem explicitar a origem e por não se empenhar em investigações que corroborassem a narrativa que publicou.

A definição de notícia falsa é mais ampla do que o simples relato mentiroso. Notícia incompleta, falsa, incorreta, distorcida, tudo isso tem sido considerado fake news.

A postura passiva dos jornalistas, às vezes como mero repassadores de informações de fontes que se escondem no anonimato, sem levar a cabo apurações rigorosas e independentes, estimula o leitor a duvidar desses relatos e afeta sua confiança na imprensa.

Fotos evidenciam os vários ângulos de um mesmo fato

A sequência de fotos acima mostra diferentes visões da cúpula do G7 realizada no Canadá. Cada uma delas foi produzida por assessores de um líder diferente.

Reunidas, revelam como são várias as possibilidades de se contar um fato e a dificuldade de afirmar qual deles mais se aproxima da realidade. É esse o desafio cotidiano de repórteres e editores.

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