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Revoluções na macroeconomia

Jovem geração de macroeconomistas, com a ajuda de computadores modernos, reconstrói aos poucos o edifício macro

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Está ocorrendo neste exato momento. Nos confins do mundo acadêmico, cheio de fórmulas complicadas, códigos escabrosos, experimentos empíricos pouco amigáveis ao leitor generalista. Trata-se de um progresso, que aqui vamos tentar explicar em português mesmo, num texto nerd, mas suave.

Até os anos 1970, a macroeconomia não conversava (ou só desconversava) com a microeconomia. Nessa última, o rigor científico rapidamente se impõe: as firmas são sempre tratadas como maximizadoras de lucro, tomando alguns parâmetros como dados, e as pessoas estão constantemente atrás de melhorar seu bem-estar, sua função de felicidade. Vejam: falamos de uma função a ser maximizada! A partir daí, nascem diversos teoremas e teorias.

Imagem mostra mão mexendo em calculadora. o fundo é azul.
Calculadora - Gabriel Cabral/Folhapress

Já na macro, uma bagunça metodológica imperava. Também com muito palavreado e muitas equações, mas tudo caído do céu. Não se falava de empresas pensando nos lucros, em quando e como investir, e as pessoas mencionadas eram meio esquisitas, respondendo a variáveis econômicas sem muita fundamentação.

Na dita década, isso começa a mudar, no bojo da primeira revolução metodológica da macro. Nossos modelos passam a mimetizar os da microeconomia, com empresas e famílias fazendo escolhas, as melhores possíveis, dado seu conjunto de informação. E olhando para o futuro, analisando como as escolhas de hoje afetam as coisas lá na frente. Mais ainda: nessa nova geração de modelos, os agentes econômicos levam em consideração que eventos que vão ocorrer mais adiante (por exemplo, o governo anuncia o fim de certas tarifas a partir do ano seguinte) vão alterar suas escolhas hoje.

É inegável que algum planejamento as pessoas e firmas fazem (em que grau é um debate importante), mas esse fato estava ausente nas teorias macroeconômicas até então. No linguajar nerd: os modelos macro passaram a ter como pilar um problema típico de otimização intertemporal.

Houve um grande progresso na virada da década de 1970 para 1980. Após a revolução, os macroeconomistas podiam falar sobre coisas como: "o impacto da tal política sobre as escolhas (e bem-estar) dos agentes econômicos" com alguma base. Simultaneamente, levaram esses modelos para um encontro com os dados, para ver como eles conversavam.

E se conversavam um pouco mal inicialmente, nas décadas seguintes o modelo foi sendo aperfeiçoado para refletir outras características do mundo real, como rigidez de salários e preços, hábitos de consumo, competição imperfeita do lado das firmas. Virou paradigma. Mas sempre contestado, com tentativas de atenuar a racionalidade extrema e a capacidade de programação e entendimento dos agentes econômicos em relação ao ambiente macroeconômico corrente e esperado.

Ao longo dos anos, foram adicionados e aperfeiçoados blocos de política monetária e política fiscal e foram criadas versões para economias abertas ao comércio de bens e aos fluxos de capital.

A crise financeira internacional de 2009 foi um baque tremendo para a economia mundial e também para os macroeconomistas e seus modelos. Afinal, como os modelos não previram a possibilidade de mau funcionamento nos mercados de crédito, que afetaram –e devastaram– todo o edifício?

Na verdade, essa visão é incorreta. Havia na época modelos da macroeconomia que contemplaram esses canais. Foram os macroeconomistas pouco veementes? Sim. Foram os "policymakers" (formuladores de políticas, na tradução) bastante incautos? Certamente. Mas a crise não escancarou apenas a necessidade de termos nos nossos modelos macro um canal de amplificação de problemas iniciados no sistema de crédito. Ela também tornou óbvia a necessidade de inserir no arcabouço típico mais heterogeneidade, diferenças fundamentais entre os agentes econômicos que habitam esses modelos.

A mais óbvia: alguns têm dívidas, outros poupança, e outros ainda não têm nada (consomem basicamente toda sua renda). Os riscos individuais de perder o emprego também são muito distintos, assim como os ativos a que os mais ricos têm acesso diferem dos ativos que os menos afortunados encontram como veículos de poupança. E assim por diante. Um mar de heterogeneidades até muito recentemente –falamos aqui de uns dez anos apenas– ignoradas. Mas não mais, pois uma jovem geração de macroeconomistas, com a ajuda de computadores e softwares bem melhores do que tínhamos faz pouco tempo, está aos poucos reconstruindo o edifício macro.

Estamos aprendendo muito, ainda que estejamos no começo da jornada. Já é quase heresia falar em políticas econômicas e seus impactos no vácuo do modelo tradicional de um agente homogêneo que representa a sociedade, em termos médios. Não apenas a macroeconomia tem impactos redistributivos importantes; estamos também descobrindo que, como a heterogeneidade de renda, a riqueza impacta os números agregados da economia, como PIB, inflação, consumo etc. Descanse em paz, modelo do agente representativo. Agradecidos todos somos pela sua valorosa contribuição.

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