Foi um pecado o último encontro entre Messi e Cristiano Ronaldo acontecer na Arábia Saudita, num confronto entre duas ditaduras. Todo o respeito à cultura árabe. Nenhum aos governos autoritários. Máxima reverência à história dos dois maiores gênios do futebol no século 21.
Cristiano Ronaldo x Messi se enfrentaram pela 37ª vez, com 17 vitórias do argentino, 11 do português e nove empates. Vê-los em campo, um contra o outro, por 15 anos, está para esta geração como assistir a Pelé x Garrincha no Maracanã para quem viveu a magia das décadas de 1950 e 1960.
O primeiro duelo, Manchester United 0 x 0 Barcelona, era semifinal de Liga dos Campeões, 23 de abril de 2008, data em que a manchete da Folha era: "Terremoto assusta São Paulo." O tremor de 5,2 pontos espalhou-se, metaforicamente, por todo o mundo. Não houve, depois daquele dia, quem não acelerasse o coração em dia de Manchester United x Barcelona (três vezes), Portugal x Argentina (duas vezes), Juventus x Barcelona (uma vez) e, principalmente, Barça x Real, 30 clássicos.
O legado não é estatístico, mas lúdico. Há inúmeras razões para alguém se apaixonar por futebol. A cor da camisa de um clube, o gigantismo de um estádio repleto, ver bandeiras tremulando, um gol de placa, sobretudo um ídolo.
A quantidade de gente que assistiu a Pelé e chorou compulsivamente com sua morte revela isso. Também a dor dos vascaínos que tiveram Roberto Dinamite como a razão de se vestirem com uma cruz de Malta no peito.
Quantas crianças e adolescentes compraram ingressos, em qualquer lugar do planeta, viraram consumidores de camisetas e souvenirs ou simplesmente sentaram-se diante de uma televisão para assistir a qualquer partida, porque se encantaram com Messi e Cristiano?
Bem que o amistoso entre Al Nassr x Paris Saint-Germain, representantes do governo saudita contra o clube qatariano com sede na França, poderia ser um Barcelona x Real Madrid, no Camp Nou. Em Riad, Cristiano Ronaldo contará com a gentileza do governo para ter abençoada sua união com Georgina Rodriguez, sua namorada. Pelas leis sauditas, homem e mulher não podem viver juntos na mesma casa sem serem casados. Georgina é mãe de dois filhos de Cristiano Ronaldo e a decisão é bem-vinda, só não deveria ser exceção.
Modelo de nacionalidade espanhola, Georgina nasceu na Argentina, como Messi.
Equívoco pensar que a maior parceira e o maior rival do craque português vieram do mesmo país sul-americano, porque Messi sempre foi ao mesmo tempo antagonista e referência para Cristiano Ronaldo.
A recíproca é verdadeira.
Nos livros desta época especial do futebol mundial, sempre haverá referências a Cristiano, quando se falar de Messi, e também o inverso.
A Anistia Internacional pede a Cristiano que se posicione sobre a ditadura saudita e Messi também está no papel de garoto-propaganda do governo autocrático do Qatar. É a página nebulosa de uma trajetória esplendorosa.
Cristiano Ronaldo ainda sonha disputar a próxima Copa do Mundo, e não duvide de que Messi também possa fazê-lo, embora seja improvável. Mesmo assim, é justo pensar que o encontro no Oriente Médio foi o derradeiro de uma era dourada.
Pelo menos como profissionais.
Com todo o brilho do amistoso no estádio Rei Fahd, na capital da Arábia Saudita, a bola pedirá um último encontro de despedida, quando de fato as duas carreiras tiverem terminado.
Quem sabe um amistoso no Camp Nou e outro no Bernabéu, um com a camisa do Barcelona e outro do Real Madrid.
Em tese, a era Cristiano x Messi terminou nesta quinta-feira (19).
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