“Se ela ficou um ano sem sexo, estou ótima!”, exclama uma das alunas do curso Prazer e Corpo - Nossos Mitos e Verdades, ministrado por Bruna Surfistinha, numa ensolarada manhã de sábado para um grupo de nove mulheres na Aldeia Círculo das Tradições, zona sul de São Paulo.
Ela, no caso, é Raquel Pacheco, a ex-garota de programa que ficou famosa com o filme que leva o nome adotado no mundo da prostituição pela loira de 33 anos.
“Sou procurada por mulheres que me pedem ajuda para tirar bloqueios em torno de sexualidade”, explica Bruna/Raquel, que se juntou a consultora de moda Helga Fuchs, 53, e a terapeuta Paula de Oliveira Souza, 49, para promover uma série de encontros para um público feminino em busca de prazer ou da libido perdida.
“Onde foi parar esta energia poderosa?”, indaga Helga. “As mulheres estão muito sozinhas em sua sexualidade.”
Diante destas inquietações e constatações, a ideia do trio é promover um curso por mês com a promessa de "diversão, elegância e xamanismo".
Raquel, que lançou no ano passado um ecommerce de produtos eróticos, diz que recebe muito mais emails de mulheres do que de homens. “Elas querem a ajuda de uma profissional. Pedem dicas, tiram dúvidas. Muitas confiam segredos. Outras estão mais preocupadas em agradar ao parceiro do que a si mesmas.”
Terapeuta e xamã formada em psicologia, Paula elogia o conhecimento prático da colega. “Raquel entende da exploração do prazer. A proposta aqui é trabalhar a liberação das energias e a cura terapêutica.”
O curso começa com cânticos e rituais de xamanismo conduzidos por Paula, que conheceu as outras duas professoras na Casa de São Lázaro, centro de umbanda comandado pelo pai de santo Alexandre Meirelles.
POTE DOS SEGREDOS
As alunas inscritas na primeira turma são convidadas a formarem um círculo e a se apresentarem. Há no grupo dentista, engenheira, enfermeira, publicitária, solteiras e casadas, na faixa de 30 a 50 anos.
“Não aceito meu corpo”, diz uma delas. “Tenho vergonha, quero me liberar das travas que me acompanham há anos”, emenda outra. A próxima afirma não ter problema com suas formas, mas dificuldade em sentir prazer.
Uma mais falante diz ser bem resolvida sexualmente, sem pudores, mas está angustiada ao ver a libido desaparecer em menopausa precoce aos 38 anos. “Estou em tratamento médico, mas vim aqui procurar ajuda.”
Todas depositam questões no “pote de segredos” instalado no centro da tenda. “Aquelas perguntas que vocês nunca tiveram coragem ou oportunidade de fazer sobre sexo”, incentiva Bruna Surfistinha.
Ao fundo, uma mesa está coberta de objetos eróticos que serão apresentados ao longo da programação e poderão ser adquiridos ao final do encontro, que começou às 9h e só terminou às 16h.
CONFIDÊNCIAS
Em sua fala inicial, a Bruna Surfistinha que ganhou a face de Deborah Secco no cinema cede lugar a uma Raquel que se coloca muita próxima de sua plateia.
O tom é de troca de confidências. “Sou super bem resolvida no sexo, mas também passo por fases”, admite Raquel. “Quando parei de fazer programa, levou um tempo para eu me desligar desta coisa de transar para dar prazer ao outro, por dinheiro.”
Ela conta que demorou dois anos para “quebrar a ligação de fazer sexo e sentir prazer por obrigação”.
Discorre sobre o fato de muitas mulheres também fazerem sexo mecânico, por obrigação, para agradar maridos/companheiros, assim como ela fazia com seus clientes.
“É preciso se permitir ter prazer. Como? As descobertas começam pela masturbação. Muitas mulheres nunca se olharam nem se conhecem intimamente e passam a se descobrir desta forma.”
É o gancho para dedicar uma boa meia-hora ao tema tabu. “Fomos criadas achando que mulher não podia, é feio, que masturbação é só para homens. Sentem vergonha.”
É hora também de sair da teoria e passar a exibir os vibradores, que são vendidos no site Bruna.sexstore.com. “Todas as mulheres devem ter um amigo gay e um vibrador para chamar de seu”, aconselha Raquel, no papel de vendedora e curadora de produtos eróticos. "Tem muita coisa no mercado que não entrega o que promete."
Mais lições práticas: “Vocês podem se masturbar com brinquedinhos. Aqui temos diferentes modelos, usados tantos para estimular o clitóris ou para penetração. Tem os mais basiquinhos e outros com até seis tipos de intensidade de vibração.” Os preços variam de R$ 56 a R$ 225.
Raquel mostra um vibrador de cerâmica no formato de pênis. Uma das alunas interrompe: “Este é top das galáxias. É para exibir na estante."
Outra pede mais informações sobre o artefato. “Este não vibra, mas tem um compartimento para colocar água quente ou fria. Você pode brincar com as duas sensações”, esclarece Raquel.
Estão à venda também outros acessórios para apimentar a vida sexual, como bolinhas de silicone que podem ser introduzidas na vagina ou no ânus.
TEMA RECORRENTE
É a deixa para tratar de sexo anal, tema recorrente entre as dúvidas depositadas no “pote dos segredos”, em questões anônimas lidas e respondidas pela palestrante.
“Como ter prazer com a prática?”, "Por que homens têm tanto desejo de sexo anal?”, "É coisa de homossexual?” foram alguns dos questionamentos na dinâmica realizada ainda na parte da manhã.
Raquel responde: “99% dos homens gostam e fazem muito sexo anal com garotas de programas. Têm medo de insistir com a mulher e ela pensar que ele é gay.”
A ex-profissional trata de desmistificar o “orifício proibido” e lança teses sobre o desejo masculino por sexo anal também entre heterossexuais. “É uma posição dominadora, na qual o homem se sente mais poderoso.”
As alunas querem saber se há uma técnica especial para não sentir dor. “Vai aos pouquinhos, faça massagem...”
O tom confessional leva a outras revelações, dos tempos em que Raquel chegava a ter 30 clientes por dia. “Usava gel anestesiante, xilocaína. Quando fazia programa, vivia machucada.”
Uma das alunas, casada há 19 anos, sente-se confiante para também fazer confissões diante do grupo. “Minha primeira experiência sexual foi anal. Era virgem e queria preservar o hímen. Foi maravilhoso. Estava relaxada. Se não estiver, não rola. Vai doer.”
Há espaço ainda para ensinar técnicas de sexo oral ("detesto homem que chacoalhe minha cabeça na hora"), criticar os filmes pornô ("não gosto, é feito para homens") e dar dicas de cursos para aprimorar o sexo oral e de massagem tântrica.
FALTA DE LIBIDO
Mas a grande questão do dia é a falta de sexo e desejo.
“Eu sou do tipo fogosa, que arranhava parede se ficasse sem transar. Gosto. Vou para o motel com o marido. Mas nas últimas férias, fomos para Paris e não rolou nenhuma transa. Foram 14 dias e não demos nenhuma. Como pode?”, indaga-se uma loura bonita na casa dos 40.
E então é feita a revelação mais surpreendente do dia. “Já fiquei mais de um ano sem fazer sexo e não sentia falta”, diz Raquel. A ex-garota de programa relata que o tempo de abstinência sexual aconteceu quando estava casada.
“Sentia culpa, mas a química tinha acabado. Eu não tinha vontade nem ele me procurava mais. Eu não sentia vontade de fazer sexo com meu marido, mas me masturbava bastante.”
Confissão que levou à tirada que fez todo o grupo sorrir: “Se ela ficou um ano sem transar, estou ótima”, conclui a aluna das férias sem sexo em Paris, sobre o seu momento "Bruna Surfistinha sem libido".
Terminada a preleção, o grupo participou de um ritual em que técnicas do xamanismo foram usadas para despertar a imaginação em busca da cura para seus problemas sexuais.
Depois de um intervalo para o almoço, as alunas voltaram à tenda para uma prática intitulada “a mandala do prazer”. “Era preciso ancorar toda a energia. A ideia do curso é pensar, sentir e agir”, diz Helga. “Não se trata de curar em uma aula, mas é um processo”, explica a xamã Paula.
“É incrível ensinar”, conclui Raquel, em sua encarnação como professora de sexo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.