Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Arcabouço fiscal é bom, pró-mercados e mais conservador do que eu gostaria

Num furo de enfoque, antecipo o balanço dos cem dias do governo Lula

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Pronto! Estão definidas as balizas ao menos da proposta de novo arcabouço fiscal. Há certo constrangimento entre os que esperavam um troço destrambelhado. "Não vai dar certo; esse arcabouço depende necessariamente de receitas elevadas." É? Por quê? Com baixa arrecadação, também cai a despesa. Não sei se notam, mas se anuncia o oposto do que os falcões do fiscalismo esperam "da esquerda": usar o Estado para bombar a economia em momentos de crise. Ao contrário: se as coisas vão bem, gasta-se mais, mas com limites, o que permitiria fazer um acolchoado para eventuais dias de inverno; se não, o contrário. Até acho que sou mais "progressista" do que o governo nesse caso... Se também isso não serve, então serve o quê?

No 89º dia da gestão Lula, procedo a um furo de enfoque e faço um balanço dos cem. Eis que a apresentação do tal arcabouço coincide com a volta do biltre que estava homiziado em Orlando. Ainda pode tempestivamente comemorar a marca dos 700 mil mortos de Covid. Afinal, todos morrem um dia. Noto esforços para normalizar o bolsonarismo como contraponto ao petismo. Não há virtude nos territórios da morte. Ponto, parágrafo.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com Lula, em Brasília - Adriano Machado - 12.jan.23/Reuters

No mundo paralelo "Duzmercáduz", houve um atraso na apresentação do texto. No mundo dos fatos, ele veio à luz com cinco meses de antecedência. Segundo a PEC da Transição, a data-limite era 31 de agosto. É aquela PEC que anteciparia o Armagedom, mas com a vitória dos desenvolvimentistas iníquos contra o Deus da Responsabilidade Fiscal. Chegou-se a antever para este ano um déficit primário de até R$ 261,6 bilhões. Hoje, estima-se que possa ficar em R$ 100 bilhões, coisa de 1% do PIB.

Sempre gosto de ler, em retrospecto, essas previsões "findomundistas", oriundas, geralmente, do que chamam "analistas", que são operadores que comandam corretoras cujos nomes merecem um estudo de linguistas. As que recorrem a vocábulos conhecidos em alguma língua apelam a supostos dons premonitórios, anunciando aos clientes amanhãs sorridentes. Quando se trata, no entanto, de analisar contas públicas, o tom é quase sempre lúgubre.

Uma proposta de arcabouço impondo que as despesas podem crescer, no máximo, o equivalente a 70% da elevação das receitas, estabelecendo um limite mínimo (0,6%) e máximo (2,5%) para tal expansão concilia a responsabilidade fiscal com um tanto de "responsabilidade social", expressão que provoca arrepios em alguns. Mais: educação e saúde recebem, respectivamente, 18% e 15% da Receita Corrente Líquida. Não há como subordiná-las à regra dos 70%; logo, as outras despesas têm de crescer menos.

O ponto fulcral, parece, de algumas discordâncias é aquele piso de 0,6% para o crescimento das despesas e a busca de uma garantia para um mínimo de investimento público. A direita resolveu invocar com a idade de Lula e com o seu suposto passadismo. O ódio ao Estado é o que pode haver de mais velho, bolorento, ultrapassado e, acima de tudo, hipócrita. Quando é que esses valentes vão invocar com os juros camaradas do Plano Safra? Nota: recomendo que não o façam. Seria uma burrice.

O texto do governo é bom para as circunstâncias. É mais conservador do que eu gostaria e do que esperavam "Uzmercáduz". A palavra final será do Congresso. Se o país partir de um déficit primário neste ano de 1% e chegar a um superávit de 1% em 2026, saindo do vermelho já no ano que vem, será um grande feito. Do meu balanço antecipado dos cem dias, constam ainda a vitória sobre a tramoia golpista, a ação contra o genocídio yanomami, a correta reestruturação do Bolsa Família, a retomada do Minha Casa, Minha Vida, o relançamento do Programa de Aquisição de Alimentos e a volta do Mais Médicos. É um bom caminho. Se eu estiver errado, os certos que se fartem com as batatas.

Ah, sim: Roberto Campos Neto, presidente do BC, parece disposto a dar um voto inicial de confiança. Bom rapaz! Em entrevista coletiva nesta quinta (30), disse que, para cumprir a meta de inflação deste ano, os juros deveriam estar em 26,5% —uma taxa real, pois, de uns 20%. Já imaginaram? Mataria de fome os que não morreram de Covid, aquela do Senhor dos Territórios da Morte. É um sinal de que não há arcabouço fiscal possível que comova o coração do nosso faraó.

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