Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Herança mais letal do bolsonarismo é exportar ideias antivacina para massa

Parcela dos eleitores de Bolsonaro rejeita imunizações que crianças brasileiras recebem há décadas

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Uma reportagem recente da dileta colega Ana Bottallo deveria ser leitura obrigatória para qualquer um que ainda tenha o desplante de minimizar o estrago causado pelo bolsonarismo no debate público brasileiro. Dados de uma pesquisa de opinião indicam que uma parcela significativa dos eleitores de Bolsonaro rejeita não apenas as vacinas contra Covid-19 como também imunizações que crianças brasileiras recebem há décadas.

Se você ainda não leu o texto da Ana (o que recomendo fortemente que faça), eis alguns dos números. Apenas 38,7% dos eleitores do ex-presidente concordam com a vacinação infantil contra Covid (o número entre quem votou no atual presidente é de 76,4%). Enquanto 92,1% dos que votaram em Lula concordam com a ideia de vacinar crianças contra sarampo e paralisia infantil, o número cai para 83,6% no caso de quem quis eleger Bolsonaro.

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Criança é vacina contra Covid em escola pública na zona oeste de São Paulo - Bruno Santos - 20.jan.22/Folhapress

Esses dados parecem comprovar cabalmente a máxima de que nada é mais perigoso do que um imbecil (ou maluco, ou canalha) com iniciativa e acesso ao WhatsApp. Parabéns, bolsonaristas: em poucos anos de pandemia, vocês conseguiram criar do zero, "ex nihilo", um movimento antivacinação de massa –num país onde isso não existia desde a Revolta da Vacina, na longínqua República Velha. Para quem pregava um retorno ao passado, vocês acertaram em cheio, fazendo o Brasil retroceder mais de um século.

É preciso insistir nesse ponto. No período anterior à pandemia de 2020-2023, a rejeição de caso pensado à vacinação infantil era, no nosso país, coisa de meia dúzia de gente com dinheiro no bolso e ideias fracas na cabeça, presa a uma concepção ilusória de "saúde natural".

A cobertura vacinal –ou seja, a proporção de crianças com a carteirinha de vacinação em dia– vinha caindo lentamente, é verdade. Mas isso era resultado de uma combinação de lacunas logísticas e certo desleixo de alguns pais mais jovens.

Nos últimos anos, porém, à desgraça do vírus Sars-CoV-2 se somou uma campanha incansável de difamação das vacinas, que provinha da boca de um sujeito alvo de um culto à personalidade e era replicada por boa parte de seus seguidores dentro e fora da classe política. Campanha, aliás, que não parou –basta ver a repetição espúria de boatos sobre os supostos efeitos terríveis das vacinas contra Covid-19.

É bom lembrar, para os que ainda se fazem de desmemoriados, que essa cruzada antivacinação não veio ao mundo com o selo "made in Brazil". O bolsonarismo, ao qual não podemos imputar o crime de ter cérebro próprio, simplesmente copiou e colou uma ladainha que já vinha pronta da extrema direita global. Não deixa de ser irônico quando se pensa no medinho desse pessoal diante do "globalismo".

Há quem teime em não compreender que vacina é, por excelência, um tipo de proteção coletiva. A possibilidade de que 15% ou 20% dos pais brasileiros deixem de vacinar seus filhos contra sarampo ou paralisia infantil é desastrosa porque cada criança a menos dentro do escudo de proteção equivale a retirar, de quebra, um ou dois escudos das que foram vacinadas.

Isso é especialmente verdade no caso do sarampo, por exemplo, que é muito mais transmissível que a Covid e só pode ser barrado de verdade com uma cobertura vacinal altíssima. Aliás, sarampo pode matar –assim como a Covid matou milhares de crianças brasileiras, em especial bebês.

O mal que os homens fazem continua vivo mesmo depois que eles deixam o poder e o mundo. Se algum dia Bolsonaro e seus sequazes forem parar na cadeia por maracutaias com presentes das Arábias, ainda estarão no lucro. Seus delitos mais desumanos correm o risco de continuar a fazer vítimas entre os mais frágeis de nós por muito tempo.

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