Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Renata Mendonça

Acusar uma repórter de 'seduzir' fonte infelizmente é prática comum

Mulheres também sabem fazer jornalismo, na política, no esporte ou em qualquer área

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Uma coisa inédita e outra coisa muito recorrente aconteceram nesta semana. Na quarta-feira (12), 2.411 mulheres assinaram um abaixo-assinado em defesa da repórter Patrícia Campos Mello, que sofreu ataques mentirosos.

Começou com uma fonte de sua reportagem dizendo que ela tentou seduzi-lo para conseguir informações. Depois, veio o comentário do filho do presidente da República afirmando que não duvida que a jornalista da Folha tenha se "insinuado sexualmente" em troca de informações. E daí surgiu uma avalanche de acusações infundadas sobre a conduta da jornalista na sua apuração.

Ex-funcionário de empresa de disparos em massa, Hans Nascimento (à dir.) presta depoimento no último dia 11 na CPMI das Fake News
Ex-funcionário de empresa de disparos em massa, Hans Nascimento (à dir.) presta depoimento no último dia 11 na CPMI das Fake News - Jane de Araújo/Agência Senado

Acusar uma repórter de "seduzir" uma fonte infelizmente é prática comum no meio do jornalismo. O que não era comum –até terça (11)– era ver mulheres se unindo para defendê-la publicamente. Foram quase 2.500 assinaturas, e seriam ainda mais se o documento ainda estivesse circulando.

Não vi uma jornalista sequer se recusando a demonstrar apoio à Patrícia nem se abstendo de se manifestar contra os ataques machistas que ela sofreu ao longo dos últimos dias. Essa união de mulheres é inédita, é forte –e é irreversível.

Poderia contar aqui dezenas de casos que vivi ou que ouvi sobre mulheres no jornalismo esportivo tendo suas apurações questionadas por homens (na maioria das vezes) que sempre usaram o mesmo argumento: "como ela conseguiu isso? Com certeza deu para alguém". E daí começavam os boatos para difamar o trabalho dessas jornalistas.

Uma colega de profissão contou que uma vez deu uma notícia de bastidor sobre um clube de futebol e, quando um setorista daquele clube foi questionado pelo chefe sobre por que ele não tinha essa informação, a resposta foi: "ela usa de recursos que eu não tenho". Todo mundo entendeu sobre quais recursos ele estava falando. Quando, na verdade, a única coisa que talvez faltasse a ele –e a ela sobrasse– era a competência.

Para evitar isso, todas nós tomamos cuidados na profissão que os homens nem sequer sabem que existem. Nós evitamos marcar reuniões com fontes depois de 18h –aliás, nem mensagens de celular mandamos após esse horário, pelo medo do que podem pensar.

Se estamos fazendo uma reportagem, e o entrevistado sugere um café, pensamos 30 vezes antes de aceitar, porque "será que estaremos dando margem a interpretações erradas?" E se por acaso aceitamos, e o cara tenta alguma coisa, nos sentimos culpadas porque, afinal de contas, nós aceitamos o café.

Quando uma mulher consegue um furo, raramente os comentários nos bastidores das Redações são a respeito da qualidade do trabalho dela. Sempre existe o "como ela conseguiu isso?", que vem obviamente acompanhado de insinuações sobre a conduta ética e sexual dela.

Nunca passa pela cabeça desses caras que uma mulher pode conseguir uma notícia exclusiva pura e simplesmente porque ela é boa. Porque ela é capaz.

No jornalismo esportivo, então, em que elas são absoluta minoria, como poderiam conseguir informações que seus colegas homens, tão mais inteligentes –sabem até o que é impedimento, pasmem!–, não conseguiriam? Sexo. Não tem outra explicação.

Só que tem. Tem a explicação de que mulheres também sabem fazer jornalismo (seja ele na política, no esporte ou em qualquer área). A lição que fica disso é que, para cada homem que tente desqualificar o trabalho de uma mulher, teremos 2.411 (e muito mais) mulheres prontas para defendê-la.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.