Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

Por que a igualdade de pagamentos na seleção incomoda tanto?

Decisão da CBF de pagar mesma diária a homens e mulheres na seleção gerou críticas

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A Constituição brasileira diz que “todos são iguais perante a lei”, mas é só abrirmos mão da cegueira causada por nossos privilégios para enxergarmos que não é bem assim.

Como mulher branca, de classe média, moradora de uma região não periférica, eu nunca fui parada pela polícia, nunca ouvi dos meus pais que eu nunca, jamais, sob nenhuma hipótese poderia sair de casa esquecendo o documento, e nunca fui abordada ou seguida por um segurança no mercado achando que eu estivesse roubando algo. Privilégios que não conquistei, eu “nasci” com eles por ter vindo ao mundo com a cor “certa”.

Por outro lado, eu sempre me preocupei com a roupa que vestia ao sair de casa. Ao ir para meus treinos de vôlei desde a infância, tinha que colocar uma calça em cima do short de treino para evitar situações pelas quais eu não queria passar. Ainda assim, não evitava.

Levei um tempo para perceber que não era a minha roupa que determinava o comportamento dos homens —era a minha condição de mulher. Isso, eu não conseguiria “trocar” antes de sair. Sair de casa sem o medo de ser estuprado é um privilégio dos homens.

Ainda nessa linha, posso dizer que também tenho tranquilidade para dar a mão para o meu companheiro na calçada, para beijá-lo na praça, no estádio, ou em qualquer lugar, sem qualquer receio de agressão por isso. O direito de amar em público sem medo é privilégio de um casal heterossexual.

São exemplos simples que mostram: todos são iguais perante a lei (e perante a sociedade, na teoria), mas uns são mais iguais que outros. O problema é que a gente se acostumou tanto com a desigualdade que qualquer passo em direção a corrigi-la vira alvo de críticas.

Na última semana, a CBF anunciou que igualou as diárias das seleções feminina e masculina. Uma notícia que incomodou e gerou muitas críticas por parte do público do futebol. Disseram que era um absurdo pagar o mesmo valor às mulheres que não geram a mesma receita que os homens para a CBF. Ou que o futebol masculino seguiria “sustentando” o futebol feminino.

A atacante Cristiane cobra pênalti em partida da seleção brasileira feminina
A atacante Cristiane cobra pênalti em partida da seleção brasileira feminina - Lucas Figueiredo-5.abr.18/CBF

Lembrando que estamos falando aqui de diárias de trabalho, e não de participação nos lucros. O que os jogadores fazem num dia de trabalho na seleção brasileira? Eles se apresentam e treinam. E as jogadoras? Por mais incrível que possa parecer, fazem o mesmo.

Antes, eles ganhavam até cinco vezes mais do que elas por isso. Agora, homens e mulheres que desempenham exatamente a mesma função como atletas de futebol da seleção brasileira ganharão o mesmo por isso.

Realmente, isso é algo atípico. No mercado de trabalho brasileiro, mulheres podem ganhar até 30% menos do que homens ao desempenharem exatamente a mesma função. Essa desigualdade já virou tão natural que as pessoas se revoltam mais com a mudança para consertá-la do que com ela em si.

E para os que dizem que o futebol masculino seguirá sustentando o feminino, é bom que se lembre duas coisas: a primeira é que as marcas patrocinadoras da CBF não são exclusivamente da seleção masculina —elas são patrocinadoras de todas as seleções; a segunda é que só é possível ter lucro com um produto quando se investe minimamente nele, e a CBF só começou a investir nas mulheres agora.

Vamos parar de achar motivos para não tratar as pessoas (homens, mulheres, brancos, negros) de maneira igual? As mulheres não partiram do mesmo lugar que os homens no futebol. Enfrentaram proibição por lei e ainda superam muito preconceito. O que acontece agora na seleção brasileira não é ruim, nem bom —é só o justo.

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