'Erramos' envergonhado

Escrevi uma vez que a Folha gosta de citar o "erramos" como exemplo de sua transparência. De fato, os concorrentes dão menos destaque a retratações, e alguns nem mesmo as publicam de maneira sistemática.

Mas há duas situações que provocam efeito contrário ao pretendido pelo jornal. A primeira se dá quando falhas graúdas conseguem escapar da seção na página 3, deixando a impressão de que ali é lugar de café pequeno.

A segunda é o que se pode chamar de "erramos envergonhado", cuja redação omite as verdadeiras dimensões do engano cometido. É o caso desta nota da edição de terça-feira:

"Diferentemente do que informou a coluna 'Brasília' de ontem, Paulo Maluf não teve 10,49% e 12,41% dos votos válidos na capital paulista na eleição de 98. Os percentuais corretos são 33,06% (primeiro turno) e 40,05% (segundo turno)".

A nota, assim como o texto a que ela se refere, saiu apenas nos exemplares que circulam na Grande São Paulo.

Meticuloso no pontual, o "erramos" não disse o principal. Observei na crítica interna que, corrigidos os números, caía por terra a afirmação, feita no dia anterior, de que o desempenho de Maluf no domingo foi melhor que o de dois anos atrás.

Autor do artigo, o jornalista Fernando Rodrigues voltou ao assunto no dia seguinte ao da retificação (sua coluna na página 2 sai às segundas, quartas e sábados).

"Errei de forma indesculpável os percentuais", escreveu, em seguida remetendo o leitor para uma reportagem, também de sua autoria, publicada na mesma edição.

Conclusão do novo texto, que analisou dados a partir de 1988: "Malufismo atinge sua pior votação".

Não vejo nada de indesculpável no erro dos percentuais. É chato, mas pode acontecer a qualquer um. Registrados nos arquivos do TSE, os 10,49% e 12,41% na verdade representam a fatia malufista, obtida na capital, sobre o total de votos válidos no Estado de São Paulo.

Vejo problema, isso sim, na insistência em não tratar do essencial. "Sobre Maluf ter sobrevivido politicamente ao ir para o segundo turno, nada a reparar", arrematou o jornalista no parágrafo final da coluna de quarta-feira. "Trata-se de um fato."

Certo, mas o primeiro artigo foi além desse diagnóstico. Seu título: "E Maluf sobreviveu. E cresceu".

Em conversa com a ombudsman na sexta-feira, Rodrigues disse partilhar da preocupação com a transparência no reconhecimento das falhas.

"Procuro corrigir meus erros de forma ampla. No caso em questão, por minha iniciativa, a Folha publicou correções em três lugares diferentes do jornal." Ele se refere ao "erramos", ao registro na coluna e à reportagem, esta "com título explícito sobre o que aconteceu de fato com o voto malufista na cidade".

"Fiz questão de assinar o texto da reportagem", continua. "Tudo foi realizado no menor tempo possível. Poderia ter feito mais? Talvez. Mas avalio que o principal foi atendido: esclareceu-se para o leitor qual foi o erro e de quem foi a responsabilidade."

Não era preciso fazer mais. Menos seria suficiente, desde que fosse assumido, de saída, o mais importante. Algo assim:

"A coluna 'Brasília' errou ao afirmar, em título e texto, que a votação de Paulo Maluf cresceu em relação à obtida em 98. Ocorreu o contrário. O candidato teve este ano seu pior desempenho na capital."

Curto e claro. À diferença do que foi feito, não pede que se esqueça o que o jornal escreveu. Dói na hora, mas o retorno vem na forma de respeito do leitor.

Talvez influenciada pela cobertura da Olimpíada, a Folha resolveu tratar a apuração de domingo passado como se fosse prova de atletismo.

Manchete do caderno Eleições de segunda-feira: "Maluf passa Alckmin no final e enfrentará Marta." Como "passa no final"?

A estreita diferença entre os dois candidatos (7.691 votos) sem dúvida merecia destaque, mas a idéia de ultrapassagem só se justifica no jornalismo em tempo real. Impressa no dia seguinte, como registro histórico, não faz o menor sentido.

Maluf já estava à frente de Alckmin às 17h, quando foi encerrada a votação. Fosse outra a ordem das urnas, teria "passado no começo". A julgar pelos dados discriminados que a Folha publicou na quarta-feira, nem teria experimentado a terceira posição caso fossem computados primeiro os votos da zona leste.

É uma história pequena, mas serve para ilustrar uma certa indefinição de estilos e atribuições entre o papel e a Internet.

Para registro. Comparando a seleção de candidatos a vereador apresentada pela Folha às vésperas da votação e o quadro de eleitos publicado na terça-feira, verifica-se que 11 dos 25 recomendados pelo jornal (de um universo de 1.087 candidatos) conseguiram cadeira na próxima legislatura.

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