Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Pirraça de 'Michelin' ao banir restaurante prejudica todos

Decisão de excluir casa a pedido do dono é nocivo a chef,  turistas e guia

Quando viaja, você costuma consultar guias de restaurantes? Eu consulto —não um, mas vários. Numa viagem, eu cotejo todos os que considero importantes (e são bem diferentes entre si) —e, se há unanimidade com respeito a um grande restaurante, ou a outro que é bom e barato, ou ao melhor que abre no domingo, então é grande a chance de realmente serem uma boa escolha.

O chef Sébastien Bras na cozinha do seu restaurante Le Suquet, em Laguiole, no sul da França - Remy Gabalda - 20.set.17/AFP

Mas um sinal de alerta acaba de ser dado para pessoas como nós, que respeitam e levam em conta os melhores guias: o "Michelin" da França acaba de banir de sua edição um dos melhores restaurantes do mundo, o Le Suquet, histórico endereço perto de Laguiole que ganhou fama com o chef Michel Bras, e hoje é tocado por seu filho Sébastien.

"Banir" pode parecer um termo forte demais, porque afinal quem pediu para sair foi o restaurante: em setembro passado Sébastien  Bras fez aquele número de "devolver" as três estrelas "Michelin", anunciando que não desejava mais estar no guia —que então, na edição deste ano, ignorou o restaurante que havia 18 anos ostentava a cotação máxima.

Mas "banir" ganha algum sentido porque de fato é a primeira vez que o jogo de cena (chef "devolve" estrela, o guia ignora e a mantém) teve este resultado radical: a eliminação do restaurante do guia.

Vejo aqui dois equívocos em marcha. O primeiro, o de restaurantes que pretendem decidir se jornais, revistas ou guias podem ou não analisá-los, criticá-los, classificá-los. Eles sabem muito bem que, sendo estabelecimentos abertos ao público, estão sujeitos ao permanente escrutínio de seus visitantes --sejam turistas, críticos ou clientes (honestos ou pagos) que palpitam em sites tipo Trip Advisor.

Mesmo sabendo isso, vários chefs resolveram "abdicar" das estrelas ou notas de guias. Por que o fazem, então? Bem, porque sempre rende boas notícias, pitadas de polêmica, visibilidade... tanto para o restaurante quanto para o guia.

Observação: alguns chefs realmente levaram a sério a decisão de escapar da inegável pressão que vem junto com uma cotação máxima no guia "Michelin", ou estar entre os dez mais da lista Worlds 50 Best  Restaurants. Eles simplesmente fecharam seus restaurantes, por não mais desejar a luta diária, estafante e estressante, de manter na estratosfera um padrão impecável.

Alain Senderens fez isso em 2005: no lugar de apenas se queixar dos guias, ele mudou todo o conceito (até o nome) do seu histórico Lucas Carton em Paris, que passou a chamar-se Senderens e servir um menu simplificado e mais barato. (Bem, logo depois conquistava duas estrelas no "Michelin"...)

Em 2008 Olivier Roellinger também foi fundo —com problemas de saúde e buscando uma vida melhor, simplesmente fechou seu maravilhoso Le Relais Gourmande, em Cancale (França), e hoje toca seu bistrô Le Coquillage (com uma estrela).

Assim como, em 1996, Joël Robuchon fechou seu restaurante homônimo em Paris para se aposentar daquela vida (e passou a abrir outras casas em que não participa da cozinha diária e mesmo assim, ganhando três estrelas...)

Como se vê, não são pessoas que "devolvem" estrelas, mas que abdicam de um tipo de restaurante que não mais lhes convém. Já o caso do Le Suquet parece diferente —Sébastien Bras promete manter sua altíssima gastronomia. E daí decorre o segundo equívoco dessa história o do guia "Michelin". Ao aceitar, pela primeira vez, retirar de sua lista um ótimo restaurante ainda em atividade, o guia trai a confiança de seus leitores, aqueles que esperavam dele as indicações dos melhores lugares para ir.

Agora eu, você, os turistas e os gourmets que usam guias passam a saber que o guia "Michelin" pode estar escondendo restaurantes que mereceríamos conhecer e o faz apenas para responder à bravata de um chef.

Os próximos anos mostrarão como todos —o restaurante (que perde uma importante vitrine), o guia (que perde a confiança do público) e os leitores— saem perdendo com essa pirraça mútua.

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