Renato Terra

Roteirista e autor de “Diário da Dilma”. Dirigiu o documentário “Uma Noite em 67”.

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Renato Terra

Atestado médico também é poesia

Elucubrações sobre a literatura médica brasileira

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Não permita, doutor, que a turba,

Me convoque pra falar;

Sem que ateste os tremores

Que eu encontro por cá;

Sem qu’inda aviste as câmeras de segurança,

Onde a Jiripoca vai piar

Foi com esses versos que Gonçalves Dias entrou no consultório do médico Simão Bacamarte na tarde da última quarta-feira.

A situação era extenuante. Gonçalves Dias havia sido flagrado pelas câmeras de segurança oferecendo água, alpiste e gorjeios aos canários que invadiram o Palácio do Planalto em 8 de janeiro passado.

"É o caso de exílio", diagnosticou o médico. E prescreveu:

Para as asas que aqui bambeiam,

Para o bico a salivar,

Para as frestas que te arreiam,

Tome Emplastro Sabiá

Após cismar sozinho à tarde, Simão Bacamarte se deixou tomar pelos arroubos poéticos e redigiu um dos mais belos e concisos atestados médicos da medicina literária brasileira.

"Atesto para fins de apresentação junto à Câmara dos Deputados que o Sr. Ministro Marco Edson Gonçalves Dias foi atendido pelo Serviço Médico da Coordenação de Saúde às 13 horas do dia 19/04/2023, com quadro clínico agudo e necessidade de medicação e observação, impossibilitado, pois, de comparecer a compromissos por motivo de saúde na presente data".

Sobre um fundo azul há a silhueta de vários comprimidos em cor amarela, sobre estes comprimidos estão escritas palavras aleatórias em tipografia de máquina de escrever cor magenta.
Ilustração de Débora Gonzales para coluna de Renato Terra de 20 de abril de 2023 - Débora Gonzales

Sem desrespeitar o estado de saúde de Gonçalves Dias, um grupo se debruçou sobre a grandeza literária do texto. O uso da expressão "quadro clínico agudo" comoveu poetas, críticos, escritores, filósofos e outras almas sensíveis.

"É um verso com a sonoridade de um Rimbaud e a métrica de um Homero", elogiou a consagrada editora Maria Emilia Bender. "É um poder de síntese fabuloso. São apenas três palavras que definem a condição da alma humana", explicou, aos prantos, o escritor Sérgio Rodrigues. Lilia Schwarcz estava abismada: "Toda ancestralidade poética brasileira encadeada em camadas de compreensão sofisticadíssimas". "Uma farofa de lucidez que revela de forma aguda a subjetividade lacônica —lacânica, talvez?— da matriz pulsional que nos faz a todos", analisou Maria Homem.

O debate tomou forma no solilóquio "Atestado Médico: simulacro de cura para o corpo ou para a alma?", que lotou o auditório da Festa Literária do Hospital das Clínicas. Estudiosos já consideram um lugar para Simão Bacamarte na Academia Brasileira de Letras e, para Gonçalves Dias, na próxima convocação da Comissão.

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