Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Estou em Saransk, Deus me ajude

O nome completo do meu país, neste momento, é Portugal-Ronaldo

Saransk

O torcedor de futebol sabe muito de geografia, mesmo quando não sabe que sabe.

Em Sevilha passa um rio chamado Guadalquivir, a que os romanos chamavam Baetis.

E o torcedor, mais erudito do que muitos que olham o futebol de cima, sabe disso porque Denílson, antigo craque da seleção brasileira, jogou durante sete anos num time chamado Bétis de Sevilha.

O rio que banha Buenos Aires chama-se Prata, claro, como o time River Plate indica de forma tão eloquente.

O rio que passa em Krasnodar, na Rússia, chama-se Kuban. Não precisamos estudar o atlas, bastou-nos gostar de futebol: o time da cidade chama-se Kuban Krasnodar.

Krasnodar, curiosamente, ficou de fora do conjunto de cidades anfitriãs da Copa. Apesar de o Kuban disputar a liga principal da Rússia, a organização preferiu construir um imponente estádio na pequena cidade de Saransk, casa do time FC Mordovia Saransk, que acaba de sagrar-se campeão da terceira divisão.

Dizem que a escolha bizarra se deveu à amizade entre Putin e o filho do prefeito de Saransk, mas eu não acredito. Talvez algum amigo de Putin leia a Folha e eu prefiro jogar pelo seguro, antes que me temperem o borsch com polônio.

Para mim faz todo o sentido que Saransk, uma cidade sem time de futebol relevante, tenha um dos melhores e mais modernos estádios do mundo. Todo o sentido.

Como se diz todo sentido em russo? Uma pessoa começa a ficar paranoica, na Rússia. Não sei se estou sugestionado por Dostoiévski, mas não consigo evitar a sensação de que todos os russos subscrevem a tese segundo a qual as pessoas extraordinárias têm o direito de eliminar as pessoas vulgares, e que por isso estão todos à procura de uma pessoa dispensável para matar, e é óbvio que ninguém é mais dispensável do que um português que veio ver o Panamá x Tunísia em Saransk.

A única coisa que me pode salvar é Cristiano Ronaldo. O nome completo do meu país, neste momento, é Portugal-Ronaldo.

"De onde você é?", perguntam. "Portugal", digo eu. "Ah! Portugal-Ronaldo!", corrigem. E olham-me como se eu tivesse um pouco da essência dele, e por deixasse instantaneamente de ser tão vulgar como parecia.

Enfim, talvez o meu Raskólnikov opte por um tunisino.

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