Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

Teoria e prática do chinó

Poetas de todos os tempos têm ignorado persistentemente a peruca

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Tenho refletido muito no estranho silêncio da poesia sobre o chinó. Poetas de todos os tempos e lugares têm ignorado persistentemente o chinó como tema lírico. Talvez por aparecerem frequentemente representados com folhas de louro no cabelo tenham algum pudor em cantar outras coisas ridículas que as pessoas põem na cabeça.

Precisamos de um poeta transgressor, que se faça retratar com orégano em vez de louro, por exemplo, para mostrar que está aberto a outros temperos e que arrisque um poema sobre o chinó, demonstrando que pensa os grandes temas. 

 
Ilustração
Luiza Pannunzio/Folhapress

A poesia sobre o amor parece-me esgotada. Eu gosto bastante de amor, não me interpretem mal. Mas fico sempre chocado com a associação do amor ao sexo. Pessoalmente, nunca misturo. Chamem-me puritano, mas acho um pouco perverso meter uma coisa linda como o amor no meio daquela baixaria toda. Enfim, é no que dá ter estes meus malditos padrões morais, sempre tão elevados. 

O utilizador de chinó está, na verdade, a publicar um manifesto. Ele declara ao mundo que tem mais medo da careca do que do ridículo. Na qualidade de pessoa que está a perder cabelo, sinto-me pessoalmente ofendido. O ridículo costuma ser a abominação máxima. 

O utilizador de chinó acha que não: a careca está um degrau abaixo. Ele já reparou, certamente, na quantidade de galãs de Hollywood carecas (inúmeros, desde Bruce Willis a The Rock) e também terá verificado quantos usam chinó (zero, isso mesmo: zero, o número que vem imediatamente antes do um). Ainda assim, ele odeia a careca a ponto de usar o chinó. 

Incluo na categoria de utilizadores de chinó aqueles homens que, não adquirindo o pequeno tapete, produzem uma espécie de chinó caseiro, tecendo um complexo entrançado a partir de dois ou três tristes cabelos da nuca, que deixam crescer e penteiam para a frente, cobrindo precariamente a careca, e 
ficando à mercê de qualquer pequeno golpe de vento.

Outra grande questão levantada pela utilização de chinó é esta: onde fica a loja do chinó? Nunca vi uma. Como é que o utilizador de chinó sabe onde se dirigir para adquirir um? Em que submundo clandestino do pelo falso se comercializam os chinós? E em que profundezas do espírito reúne coragem para dizer a frase: “Boa tarde, tem chinós?”. Dava uma ode, em decassílabos heróicos. Fica o desafio, para Eucanaã Ferraz.

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