Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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O mundo espera que o Brasil organize um Carnaval sustentável

Neutralidade carbônica já chegou a grandes eventos do mundo, não ao Carnaval

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O Carnaval é tudo. Os gregos tinham as festas dionisíacas. Os babilônicos, o ritual no templo de Marduk e a comemoração das Saceias. Os cristãos, o Entrudo. O Brasil liquidifica todas essas festas ancestrais para produzir um acontecimento global de subversão de papéis sociais, em versão tropical. É uma festa que tem uma relação giratória com a identidade brasileira. Tanto impacta quanto é impactada.

A Amazônia, o patrimônio ambiental e a biodiversidade são elementos centrais do ethos brasileiro –todos eles já refletidos no Carnaval. Entre as centenas de sambas-enredos, já se homenagearam os indígenas da Amazônia (Imperatriz Leopoldinense, 2017) e se destacou a importância da sustentabilidade (Império de Casa Verde, 2014). Chamou-se a atenção para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (Portela, 2005) e para a água como um bem essencial à vida (Mancha Verde, 2022).

A Unidos da Tijuca e a Mocidade Independente de Padre Miguel já reaproveitaram lixo na construção de carros alegóricos. Neste ano, a Unidos do Porto da Pedra vai realizar o primeiro desfile neutro em emissões de gás carbônico. Dezenas de blocos de rua já tiveram como tema principal a sustentabilidade. Muitas escolas ajudam as suas comunidades com cursos de formação e maratonas de empregos. O pequeno Carnaval no Parque em Brasília adota uma política de lixo zero.

Também não faltam os inaudíveis incentivos das prefeituras para o uso de copos reutilizáveis e glitter biodegradável, além dos pedidos para descarte de lixo em locais adequados. Mas falta um plano socioambiental estruturado que garanta uma grande celebração de Carnaval neutra em carbono. Ou seja, uma festa que compense a emissão dos gases de efeito estufa que não puderam ser evitados com o apoio a projetos ambientais. Basta seguir o tripé: reduzir as emissões, quantificar as que não podem ser evitadas e compensá-las.

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Acadêmicos do Grande Rio, primeira colocada do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro, durante desfile das campeãs no Sambódromo - Silvia Machado - 1°.mai.22/TheNews2/Folhapress

É uma tendência lá fora. O Flow Festival, um festival de música na Finlândia, mensura as suas emissões de carbono desde 2009. Na Austrália, o primeiro grande evento de massas a ser certificado como carbono neutro foi o Adelaide Festival. A lista é longa: Paradise City na Bélgica, Glastonbury no Reino Unido, a Pride Parade da Irlanda. A soma de todos os gases de efeito estufa que esses eventos emitiram e retiraram da atmosfera foi equilibrada a zero. O célebre Carnaval de Notting Hill, em Londres, ainda não é "net zero", mas é conhecido por suas práticas de sustentabilidade.

Para que um Carnaval seja carbono neutro algumas medidas têm de ser tomadas. Vamos ao exemplo do Rio. A prefeitura e as escolas de samba deveriam adotar um plano de longo prazo de neutralização carbônica que inclua o uso de energia renovável e a adoção de medidas de eficiência energética. Depois têm de ser quantificadas as emissões: viagens dos participantes e público, estadia em hotéis, consumo de energia no sambódromo e áreas limítrofes, consumo de comida, volume de resíduos urbanos, entre outros fatores. Apesar da possível redução de CO2, obrigatoriamente gases de efeito estufa serão emitidos. Para esses, a estratégia é compensá-los, apoiando, por exemplo, projetos ambientais que estejam alinhados às filosofias das escolas de samba ou ao Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática da Cidade do Rio de Janeiro.

Se medir as emissões de uma festa de Carnaval parece atualmente algo precursor, em breve poderá se tornar obrigatório. Na Europa, a legislação mais recente já obriga as maiores empresas (e muitos dos grandes eventos são organizados por empresas) a reportarem as suas emissões de carbono, juntamente com as das suas cadeias de valores. O mesmo acontece com empresas britânicas. E o regulador americano caminha na mesma direção.

O Brasil tem uma experiência híbrida nessa área. Grandes eventos públicos, como o Círio de Nazaré ou a Festa de Iemanjá, são fortes emissores de carbono. Por outro lado, o Réveillon do Rio de 2022 foi o primeiro carbono zero da cidade e a Oktoberfest de Blumenau planeja atingir a mesma meta até 2026.

Se quiser organizar a COP30 na Amazônia, em 2025, o Brasil precisa apresentar credenciais. Organizar um Carnaval descarbonizado no Rio ou em São Paulo em 2024 daria consistência semiótica à imagem internacional do Brasil como potência ambiental.

Como diz a composição de Didi e Mestrinho de 1982 para a União da Ilha do Governador, "O mundo inteiro espera".

O autor agradece à jornalista Claudia Maximino pelas referências carnavalescas citadas no artigo.

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