Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Correções eletrônicas

Nick Holmes, Mandrake e o Capitão Gancho terão de parar de fumar

O vilão Capitão Gancho, inimigo de Peter Pan
O vilão Capitão Gancho, inimigo de Peter Pan - Reprodução

Em seu aniversário de 90 anos, Popeye, o marinheiro caolho dos gibis e desenhos, criado em janeiro de 1929 pelo cartunista Elzie Segar, ganhou um presente maroto do YouTube. Teve o cachimbo que sempre trouxe à boca —apagado— substituído por um apito. Seus atuais criadores não querem que as crianças que assistem hoje aos desenhos de Popeye sejam induzidas a fumar cachimbo. Preferem que se dediquem a apitar.

Não me consta que, em quase um século, Popeye tenha levado muitas crianças a fumar cachimbo. Eu próprio, nos anos 50, fui grande leitor de sua revista, que saía mensalmente aqui pela Ebal. O máximo a que cheguei foi a certa curiosidade, rapidamente desfeita, por espinafre, alimento favorito do herói. E Popeye, assim como Brutus, Olívia e os outros da série, é um boneco estilizado. Qualquer garoto sabe que as pessoas não têm braços tão grossos, nem dão socos tão estratosféricos. Donde nem o guri mais palerma pensaria em fumar por causa de Popeye.

Já o detetive Nick Holmes, criado por Alex Raymond, tinha um traço muito mais realista, e não apenas fumava cachimbo como usava óculos. Fui também seu leitor assíduo e, de fato, por causa dele, pensei em fumar cachimbo e usar óculos —ideias que tive de abandonar por inacessíveis a um menino de sete anos. Outro detetive, Mandrake, de Lee Falk e Phil Davis, fumava todo o tempo e com grande classe, só que cigarros. Mas só valeria a pena imitá-lo se eu soubesse a marca que ele fumava, o que não dava para ver no gibi. 

A indústria terá de se virar para “corrigir” todos os personagens que faziam coisas, hoje, erradas. O Capitão Gancho, por exemplo, inimigo de Peter Pan, fumava dois charutos ao mesmo tempo numa piteira dupla. Por ele ser o vilão, talvez a Disney não submeta o filme de 1953 a uma “correção” eletrônica. 

Só que havia crianças que torciam pelo vilão —no caso, Gancho. Eu era uma delas.   

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