Nas primeiras duas semanas desde sua derrota nas eleições, Bolsonaro só foi ao Palácio do Planalto duas vezes. Fez muito bem. Fechou-se mudo no Alvorada e nos poupou de seus insultos, ameaças, mentiras, palavrões, cinismos e perdigotos. Não estávamos habituados a tal bálsamo auditivo. Parece ter enfiado a viola no saco também nas redes sociais e a única vez em que apareceu em público foi naquele discurso de três minutos. Leitores expressaram satisfação por passar dias sem encontrar uma menção a seu nome na primeira página do jornal.
A ausência de Bolsonaro preenche uma lacuna e, no entanto, nunca parecemos ter tanto governo quanto neste momento. O noticiário fala das articulações para formar as equipes de transição e avaliar o que sobrou do país. Especula-se de maneira adulta sobre o novo ministério. Discute-se a divisão de tarefas na futura administração. Os poderes conversam entre si.
Os analistas observam a súbita convivência dos contrários, como se o Brasil nunca precisasse de tantos para recompor os cacos. Estadistas estrangeiros voltam a nos olhar com esperança e respeito, não com horror e repulsa. E fala-se de economia, educação, meio ambiente e programas sociais como se nos competisse novamente discutir esses assuntos, e não nos submetermos impotentes às ordens de um demente.
Esta é a sensação até agora: a de que o Brasil voltará ser dirigido a partir de suas instituições, não de um cercadinho jeca ou de comícios e motociatas pagos com o dinheiro público — dinheiro que Bolsonaro usou todos os dias de seu suposto governo exclusivamente em prol de sua candidatura à reeleição.
Não sei se perceberam, mas, já com poucos meses de Bolsonaro no Planalto, em 2019, esta coluna nunca mais se referiu a ele como "presidente Jair Bolsonaro". Apenas "Jair Bolsonaro" ou "Bolsonaro". Chamá-lo de presidente era uma contradição em termos.
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