Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel
Descrição de chapéu Mente

Neurociência a serviço da convivência de cães e gatos

Às vezes, indiferença absoluta é perfeitamente suficiente para uma boa convivência

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Eu já tinha um cachorro dinamarquês, Archibald, e uma mestiça branca peluda com quês de labradoodle e sheepdog que eu chamei de Mielina, como a bainha de gordura que encapa os axônios e torna a condução nervosa rápida. Isso porque a diaba quando novinha era mais ágil que meu filho e todos seus amigos e lhes roubava facilmente a bola de futebol.

Mas a minha casa era enorme para uma bióloga divorciada que curte seres vivos ao seu redor, então quando os dois gatos adultos simpáticos que dividiam a mesma gaiola na PetSmart vieram se oferecer para ganhar festinha, eu parei tudo para revisar meus conhecimentos sobre suas chances de convivência pacífica com meus cachorros.

Vejamos. Archibald sozinho já daria conta de abocanhar um dos gatos naquele estilo dos desenhos animados, em que só fica o rabo de fora. Mas minha preocupação era Mielina. Ela tinha passado a atacar seu até então amigo Dique após o Incidente do Esquilo de 2017 e fui forçada a dar um dos dois.

Como uma amiga havia caído de amores pelo Diquinho, lá se foi ele reinar sozinho na casa dela. Archibald veio depois e logo ficou maior que a Mielina, então ela não se metia a besta, e os dois conviviam amigavelmente –ela apenas ignorava os convites dele, garotão, para brincar.

Gato e cachorro amigos
Andrew S na Unsplash

As moças da loja, claro, me juraram que não haveria problema, desde que eu tivesse um cômodo separado apenas para os gatos e paciência para deixar todos fazerem reconhecimento mútuo aos poucos.

Consultei por WhatsApp os gateiros da família, ali mesmo, da loja –e, contra as admoestações da minha mãe (que já resgatou vários cachorros de ruas, praias e canis) a respeito da minha suposta e lendária impulsividade, levei os gatos para casa.

Vou pular para o final da história: quatro meses depois, todos já andavam livremente pela casa, os gatos inclusive desfilando debaixo do nariz dos cachorros. O truque, ao contrário do sugerido, foi tirar os gatos do quarto e expor ambos os lados ao que a psicologia chama de "extinção", a neurociência chama de "tédio" e eu chamo de "fazer-do-outro-parte-da-paisagem" –literalmente.

Gato e cachorro amigos
Anusha Barwa na Unsplash

Temos a impressão de que vivemos cercados de informação no mundo moderno, mas isso não é verdade. O que permanece o mesmo não acrescenta nada de novo ao cérebro, que só dá bola ao que ou é novidade ou tem valor intrínseco. Inalcançáveis por trás da porta, cheiros e sons novos eram tentação demais para os cachorros e era difícil acalmá-los quando os gatos saíam do quarto no meu colo.

Mas lembrei que o rádio transmissor da cerca invisível da casa também definia uma zona sem cães no andar de baixo. Todos soltos, cada espécie do seu lado da fronteira invisível, os gatos logo aprenderam que não eram importunados pelos cães que os encaravam fixamente –e foi uma questão de poucas semanas até os cachorros esquecerem de dar bola pros gatos e os gatos passearem pela casa toda.

Convivência com amor é sempre preferível, mas às vezes indiferença absoluta é perfeitamente suficiente.

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