Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Sylvia Colombo
Descrição de chapéu Argentina América do Sul

Denúncias contra Fernández por agressão a mulher põem fim melancólico a seu legado

Ex-presidente teve bênção de movimentos feministas pró-aborto no início de seu mandato

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Buenos Aires

"Estou muito feliz de ter colocado fim ao patriarcado", dizia o então presidente peronista Alberto Fernández, sorridente, num ato em 14 de janeiro de 2021, no Museu do Bicentenário, em Buenos Aires.

Ele celebrava o fato de ter sido em sua gestão, e com o apoio do Executivo, que o Congresso argentino tinha aprovado a interrupção da gestação apenas por decisão da mulher, até a 14ª semana, de modo gratuito e na rede pública de saúde. A Argentina dava um passo adiante no que diz respeito às conquistas dos direitos das mulheres —passo este que países como Brasil e Chile, por exemplo, ainda estão longe de dar.

Além disso, em sua campanha eleitoral, em 2019, Fernández havia colhido o apoio dos movimentos dos "lenços verdes", distintas correntes feministas que tinham levado adiante a pressão pela aprovação de legislações que também protegessem as mulheres da violência machista.

Um homem de cabelo grisalho e bigode, vestido com um terno escuro e uma gravata com padrão, está falando em um evento oficial. Ele está com a mão sobre o peito e parece estar expressando um ponto importante. Ao fundo, há uma decoração elaborada e uma bandeira da União Europeia.
O ex-presidente da Argentina Alberto Fernández teve apoio feminista no início do seu governo; atualmente, ele é acusado de agredir a ex-mullher - Juan Mabromata - 29.fev.24/AFP

Na Argentina, afinal, havia nascido o movimento Ni Una Menos, hoje uma ONG presente em vários países. Sua primeira marcha histórica teve lugar em 2015, mesmo ano de seu surgimento, e reuniu milhares de mulheres em mais de 80 cidades argentinas.

O movimento foi tão abrangente que incluiu até mesmo as Desobedientes, grupos de mulheres que eram filhas de repressores dos anos de chumbo que haviam cortado relações com seus pais, vinculados a crimes da ditadura, para reivindicar políticas de proteção aos direitos humanos e em favor de mulheres vítimas de violência física.

Foi defendendo o acesso ao aborto em alto e bom som, em debates e na campanha, que Fernández desbancou Mauricio Macri, então presidente e candidato à reeleição.

O início da gestão de Fernández começou abençoado pelos movimentos feministas.

Qual não foi o susto e a revolta nos últimos dias quando veio a público uma denúncia daquela que tinha sido sua companheira nos anos em que foi presidente.

Fabíola Yáñez, que hoje vive na Espanha junto com o filho de três anos do casal, afirmou em uma audiência ante a um juiz, por teleconferência, ter levado surras contínuas do ex-presidente na Residência de Olivos.

Além disso, disse que era obrigada a dormir na casa de hóspedes da propriedade, e que foi forçada a cancelar participações em atos por ter o rosto desfigurado.

Yáñez também mostrou trechos de mensagens de Fernandéz em que ele dizia ter tomado essas atitudes porque "não estava bem". A Residência de Olivos estava naquela época no olho do furacão pois, embora o presidente determinasse medidas de quarentena super duras da porta para a fora, portas adentro havia festas, brindes e mesmo encontros, segundo testemunhas, do peronista com outras mulheres.

Junto às chocantes imagens de abuso físico de Yáñez, também vazou um vídeo que mostra uma amiga de Fernández tomando cerveja com ele no gabinete presidencial no qual ambos dizem "eu te amo" um ao outro.

A imagem apresenta duas fotos de uma mulher. Na foto da esquerda, ela mostra uma lesão no braço, enquanto na foto da direita, ela exibe um hematoma significativo ao redor do olho e na bochecha. Ambas as fotos parecem ser parte de um relato sobre violência.
Print do site Infobae mostra as fotos de Fabiola Yáñez que estão anexadas aoprocesso judicial - Reprodução

Obviamente, o que cada mandatário faz com sua vida particular é apenas de sua alçada. Porém, esse caso excede todos os limites.

Foi em espaços destinados ao exercício do governo que teriam sido cometidos delitos graves, como as surras em Yáñez, enquanto o presidente se deleitava com a presença de uma outra mulher, ingerindo álcool em seu escritório oficial de governo.

A seu sucessor, o ultradireitista Javier Milei, o escândalo é um presente, um argumento a mais para dizer como o "governo comunista" que o antecedeu, além de ineficaz, terminou banhado em constrangimento.

Para dizer o mínimo, um melancólico fim a um mandato sem destaques, que agora beira a vergonha.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.