Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Sylvia Colombo
Descrição de chapéu Eleições na Venezuela

E se a oposição ganhar na Venezuela?

É preciso questionar se adversários da ditadura, com histórico de erros, conseguirão manter união atual após derrota do chavismo

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Quem vê hoje a líder da oposição na Venezuela, María Corina Machado, surfar sobre multidões pode não imaginar que essa mulher já foi desprezada pelos demais opositores e pelos eleitores no passado. Hoje, Corina não só é a arquiteta da improvável candidatura de Edmundo González, como a primeira a criar uma alternativa real para destronar o ditador Nicolás Maduro.

Obviamente, é desejável que a ditadura tenha fim e que o país se redemocratize. Porém, seria também necessário que a oposição, que tanto brigou entre si e que tantos erros cometeu, amadureça e chegue a consensos para enfrentar os desafios que virão adiante, em caso de uma improvável vitória.

María Corina Machado, líder da oposição ao chavismo, e Edmundo González, candidato opositor à Presidência, durante evento de campanha em Caracas
María Corina Machado, líder da oposição ao chavismo, e Edmundo González, candidato opositor à Presidência, durante evento de campanha em Caracas - Gabriela Oraa - 4.jul.2024/AFP

Vale lembrar algumas das tantas vezes em que a oposição cometeu erros que só ajudaram a dar mais fôlego ao regime.

Em 1992, Hugo Chávez tentou um golpe de Estado e fracassou. Foi preso, mas saiu da cadeia dizendo que optaria pela via "democrática". A população o acompanhou entusiasmada, porque sua proposta era incluir uma camada, em geral mestiça, da sociedade que não participava em política e vivia em más condições. Foi muito significativa a transformação que ele realizou no país, melhorando a vida dos mais vulneráveis, em seu primeiro mandato.

A oposição não quis ver isso, fez de tudo para tratar Chávez com soberba e preconceito, com ataques a suas políticas, sem atinar que isso era o que os venezuelanos de baixa renda queriam. Por esse comportamento, se distanciaram dos eleitores e se esvaziaram os partidos mais importantes do país: a Ação Democrática (ADECO) e o Copei (Comitê de Organização Política Eleitoral Independente).

Outro exemplo de má interpretação da realidade foi o golpe de Estado de 2002, em que parte do Exército e os empresários decidiram nada menos que derrubar Chávez. Seria patético se não fosse trágico. Mas, sim, o então presidente da Fedecámaras (entidade empresarial), Pedro Carmona, apareceu diante da TV para anunciar que tinha deposto Chávez e que ele era, a partir de então, o presidente do país. Em três dias, Chávez já estava de volta.

Aí, sim, Chávez passou a ser mais autoritário, dando lugar à cruel ditadura que hoje está em vigor.

Durante o regime de Nicolás Maduro, a oposição cometeu uma série de erros. Por exemplo, o de ausentar-se de algumas eleições. Se pode entender, uma vez que a maioria delas foi manipulada. Mas deixar todos os assentos de um parlamento entregues a chavistas não era aceitável.

Outro erro foi o de Henrique Capriles, quando, sabendo que havia ganhado a votação de 2013, que disputou com Maduro, aceitou que a fraude fosse anunciada como válida. Nessa noite, Leopoldo López o recriminou e disse: "vamos às ruas, porque você ganhou". A explicação que Capriles me deu na ocasião foi: "tive medo de que ocorresse um banho de sangue".

Outro equívoco foi o de Juan Guaidó, que surgiu de modo legítimo, mas que passou a namorar estratégias inaceitáveis, até mesmo uma invasão de mercenários norte-americanos em praias da Venezuela.

E eis que, depois de tentar de tudo, voltamos a Corina, a primeira voz a se levantar lá no começo de tudo. Longe de ser moderada, já pregou a imposição de sanções, incentivou rebeliões, apoiou Bolsonaro. Ou seja, Corina, ideologicamente, pode muito bem encaixar-se no atual rótulo de "extrema-direita".

É de se esperar que um Edmundo conciliador a leve a moderar-se para manter a ampla aliança formada. Mas isso será possível? É preciso ainda questionar, com o histórico de enfrentamentos da oposição, se, caso o chavismo seja derrotado, a união que existe neste momento continuará.

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