Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

O museu mais deprimente do mundo

O que nos resta agora é fazer poses idiotas em donuts de plástico

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Um inferno caro e com cheiro de peido doce (de quem acabou de comer 67 Sonhos de Valsa e está entre o frenesi e a morte). O Museu Mais Doce do Mundo, se avaliado em termos de custo-benefício, poderia se chamar o Museu Mais Salgado do Mundo. Ou o Mais Enganação, se você pensar que usaram a palavra “museu” como desculpa para fazer propaganda de marcas de chocolate e refrigerante. Ou o Mais Deprimente, se você prestar atenção na fila de gente querendo tirar foto com a palavra “felicidade” ao fundo. Se isso não é a simbologia máxima de que estamos completamente na merda, eu não sei de mais nada. 

Mas perder dinheiro é pouco perto do que você sente esvair do peito ao adentrar cada sala lambuzada de frases vazias e guloseimas de plástico: é a fé na humanidade que, talvez, nunca mais será refeita. A Amazônia morre, os parques morrem, as mesinhas nas calçadas são proibidas, o cinema morre, a água que acaricia as madeixas da minha filha na banheira tem mais de 30 agrotóxicos. O Nordeste, segundo nosso presidente, não existe. A fome, o desmatamento e o racismo não existem. Não vamos nos enganar: o presente é terrível e o futuro nem teremos. O que nos resta agora é fazer poses idiotas em donuts de plástico achando que estamos resgatando algo mágico da infância.

Já na entrada, pouca informação sobre a segurança das crianças e um blá-blá-blá sobre a importância de fazer muitas fotos e usar as hashtags do “museu”. É uma atração para você “se marcar” e não para estar. Para você postar feelings em vez de sentir. Ou melhor: eu senti uma leve vontade de falecer. 

Monitores treinados para parecer recém-saídos de um tonel de Prozac gritam “marshmallow!” antes de as crianças entrarem em uma decepcionante piscina de marshmallows. “Aqui é o dinheiro que manda!”, um pai reclama ao ver seu filho, em prantos, sendo expulso do brinquedo depois de segundos. Foi, disparado, o segundo pior momento que tive neste 2019. O primeiro, é claro, se refere à posse do nosso presidente. 

Na mistura das duas desgraças, fica a sensação de que tudo é tão deprimente que aqueles adultos deslizando em caldas doces de plástico, provavelmente seus eleitores, saíram do mundo invertido do “Stranger Things”. 

Eu pergunto a este jornal: vocês, que indicaram tal passeio como “um dos melhores” para as férias, de fato estiveram lá? Mães histéricas, aflitas para capturar “o momento mágico” de seus filhos entediados em bancos de quindins, várias vezes quase derrubaram a minha filha. Funcionárias vestidas de “fada do bombom vintage” tentavam convencer uma criança bem pequena de que tal guloseima era sim uma delícia. E a criança respondia: “Não, é muito doce”. E elas insistiam: “Vai, experimenta”. Atenção pediatras e nutricionistas! 

Seja feliz! Divirta-se! Marshmallow! Brigadeiro! Era o que todos os funcionários desejavam, sem parar, a uma massa cabisbaixa, a procurar o melhor filtro para dentes falsamente brancos e escancarados. É o match perfeito (e perverso) entre um marketing medíocre e a nossa mediocridade marqueteira. Um embate escandaloso, uma dança pegajosa, a carência dando as mãos à ambição para um salto ornamental onde apenas os mais fortes têm paraquedas. E, nessa lambança, quem morre é quem tem alguma noção do ridículo. 

Saí em coma espiritual, arrasada, subjugada pela superficialidade soberba de nossos tempos, esquartejada pelas pequenas vidas que só se realizam em frames congelados. Minha filha odiou tanto que se distraiu com um pote de melão cortadinho que levei escondido na bolsa.

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