Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

A educação que me escapa

Minha filha está viciada em Luccas Neto

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Aconteceu. Minha filha foi passar a tarde com uma amiguinha da escola e voltou desesperadamente viciada em Luccas Neto. Eu já havia sido alertada para esse fenômeno por mães mais experientes: "Segura o máximo que você conseguir, mas é melhor estar preparada".

Desde então, a entonação "Casas Bahia" do rapaz me persegue. A frase mais dita pelo aventureiro azul, "eu te-nho a co-raaaa-gem", é tão repetida pela televisão e pela Ritinha que precisei aumentar minha dose de Stressdoron e Ansiodoron (que nunca funcionam direito, mas eu adoro esses nomes).

Devo proibir? Devo insistir em brinquedos de madeira educativos e espaços ao ar livre com o solzinho batendo na grama do jardim? Devo. Mas já combinei com meu superego macabro que vou ser uma boa mãe apenas em 50% do tempo que tenho com ela, que é 50% do meu tempo como um todo. Nos outros 50% do tempo sem ela, vou tentar ser 50% boa nas outras coisas em que preciso ser. E nisso vou totalizando, dia após dia, 100% do meu tempo sendo uma merda de ser humano e a outra metade (que metade? Eu sou de humanas, me perdi) tentando não pensar sobre isso.

Youtuber Luccas Neto posa com seu boneco nos braços
Minha filha ficou viciada pelo aventureiro azul Luccas Neto - Guto Costa - 21.jul.22/Divulgação

Os brinquedos educativos de madeira estão escondidos bem no fundo de uma caixa, e minha filha os alcunhou de "chatos que não gosto mais e tira daqui logo credo manhê não enche".

A caceta da pedra azul do poder (espécie de arma e amuleto do aventureiro azul da coragem; e eu não acredito que estou explicando isso em uma crônica) demorou demais para chegar aqui em casa. Rita chorava pelos cantos: "Mas mãe, eu preciso dela, ela é importante na luta do bem contra o mal". Mesmo obliterada pelo selvagem capitalismo luccasnetiano, minha filha tem alguns discursos que se parecem demais com uma esquerda paulistana bonachona.

Agora ela quer também a pedra vermelha do poder (13 confirma!), missão que passei para seu pai. E aproveitamos para discutir se essa imersão desenfreada de nossa filhinha em um mundo "de magia e fantasia pra você viver o seu soooo-nhoooo" vai estragar a vida de todos nós. Concluímos que sim e também que não vamos fazer nada drástico para conter os danos. Luccas Neto é tipo bronquiolite viral aguda infantil: é insuportável e de repente passa.

Do meu escritório, enquanto tento em vão trabalhar, ouço preocupada o conteúdo do que Ritinha consome. A cada dez segundos, os programas do meninão milionário com passado tenebroso vendem uma cacetada indecente de produtos. De suquinhos a bonecos cabeçudos, passando por leitinhos com chocolate e vitaminas. Os filmes, quanto mais toscos, mais deixam vidrados os olhos da minha filha. Pesquiso na internet e entendo que o canal foi repaginado e que agora o "roteiro" traz assuntos como saúde, educação e inclusão. São bons? Não. Mas se no meio da luta dos aventureiros eu sugerir uma pracinha, minha filha vai fazer um escândalo mais danoso pra nossa saúde mental do que toda a culpa que estou sentindo.

Essa é a verdade, amigos. No último domingo, Rita acordou às sete da manhã e eu precisava muito dormir até umas nove. Meti um "Luccas Neto em: Duas Babás Muito Esquisitas" na criança e fui até oito e quarenta e sete. Tá certo isso? Provavelmente não. Mas os filhos montessorianos waldorfinianos tampouco estão livres da psicanálise (ou talvez precisem até mais). Nascer é traumático. Uma das babás eu achei bem gata.

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