Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

The zoeira never ends

Fazemos parte daquele pequenino grupo no cantinho das festas

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Tive a honra de ser entrevistada no podcast "Coisa que não edifica nem destrói" do Ricardo Araújo Pereira, colunista deste jornal, e que é também o homem mais inteligente, engraçado, bonito, famoso e musculado de Portugal (ele tirou a roupa em um programa de TV e guardo essa imagem em minha memória para momentos propícios).

Na conversa ele me perguntou por que eu tinha tanto prazer em me zoar. Eu deveria já estar mais preparada para uma resposta, tendo em vista que é a centésima vez que penso a respeito disso —e aqui não digo que o questionamento não é original: será sempre a primeira vez da pergunta posto que jamais consegui argumentar decentemente a respeito.

Cometo uns dez minutos de groselhas até concluir, crente de que sou tomada por um espírito filosófico, que o dia em que eu souber verdadeiramente a razão eu perderei meu tesão existencial em ser minha chacota primeva e eterna. Isso quase sempre aquiesce corações e sigo adiante sabendo que dei uma resposta de merda.

- Parvin - stock.adobe.com

O básico todo seguidor de humorista ou leitor de cronista problemático já sabe: rimos da gente porque somos inseguros e vaidosos e controladores e ansiosos e precisamos rir antes que alguém o faça; rimos da gente porque os bonitos e ricos da escola faziam isso e, por mais que fosse insuportavelmente sofrido, queremos pertencer a esses desgraçados; rimos da gente porque é o melhor remédio (zzzzzz); rimos da gente porque por dentro somos a figura do palhaço deprimido chorando e viciado em venlafaxina, mas por fora queremos levar alegria para toda a família (zzzzzz); rimos da vida da gente porque dá mais dinheiro do que ser carpideira (e chorar a morte dos outros); rimos da gente porque estamos apavorados com a capacidade que temos de chorar e nos mantemos distraídos; rimos da gente porque, na infância, tivemos uma mãe ou uma avó ou um pai que sempre estava meio triste e muito tenso e ameaçando desistir de tudo e a gente se sentia na obrigação de manter aquela pessoa funcional por medo de não ter o que comer no dia seguinte; rimos da gente porque nosso superego carrasco nos considera profundamente patético e nosso espírito de porco descola do nosso corpo tão errado e cagado e nos assiste comendo pipoca e não há nada que possamos fazer a respeito deste telespectador macabro em nós (inventei essa agora e até que gostei) e, por fim, rimos da gente porque fazemos parte daquele pequenino grupo no cantinho das festas, um grupo que se reconhece rapidamente e se gruda, se celebra, comemora ter encontrado outros parecidos em um mundo tosco, simplório e solitário.

Um grupinho que, não se engane, também se junta para rir dos outros, mas tem a generosidade estratégica de antes ser escroto consigo mesmo. Nós somos odiados, temidos, terminam namoros com a gente, rompem parcerias, perdemos contratos, somos largados, processados, poucos e fortes amigos vão sobrevivendo aos nossos Natais, ouvimos sempre "não vai escrever sobre isso", "não use minha desgraça em seu livro", "não exponha minha história", "me deixe em paz sua desgraçada". Uma vez um rapazote de quase dois metros não conseguiu transformar seu Bubbaloo sabor fracasso em um membro ereto, durante toda a lida amorosa comigo, e simulou um mal súbito.

Verdadeiramente preferiu teatralizar a morte a se ver nas linhas de uma crônica. Um beijo pra você, Dieguinho.

A gente ri da gente mesmo pra poder rir dos outros nos intervalos. Ricardo, querido, você sabe, perdeu todo o seu cabelo, mas duvido que perca uma piada.

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