Veny Santos

Escritor, jornalista e sociólogo, é autor de "Batida do Caos" e "Nós na Garganta".

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Veny Santos

Underground do underground: memórias das cenas independentes de quebrada

Anarquia, proletariado, burguesia, comunismo, religião; tudo muito confuso e misturado

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De início, era ouvir rádio —Kiss, 89, um pouco de Alpha, Brasil 2000—, anotar o nome dos grupos, tentar fazer uma cópia da música e trocar informações na rua com quem também escutava o gênero. Quando as primeiras casas tiveram acesso à internet discada, quem já ouvia bastante rock conheceu seu outro nível. Oculto e, de certa forma, estranho se comparado ao que era massificado no mainstream. Revelou-se a face da cena underground e independente.

Os mais velhos de quebrada que curtiam um som e faziam rolê já conheciam nomes que viriam a impor uma nova postura à geração que se formava no início do século 21. Com o auxílio de sites e blogs, Cólera, Inocentes, Condutores de Cadáveres, Ratos de Porão, Olho Seco, Restos de Nada, Mercenárias, BULIMIA, Gritando HC, Grinders, Blind Pigs, Lambrusco Kids, Deserdados, Invasores de Cérebro, Calibre 12 e tantos outros nomes oriundos de vielas e vilas —tipo a Carolina, na zona norte, alcançaram a juventude. As rádios já não chamavam tanta atenção. Pareciam repetitivas, com bandas que já não supriam mais a necessidade por catarse.

A internet chegou e com ela EPs e singles de selos independentes como o "Teenager in a box" e "Antimídia", além de zines apresentando bandas, suas ideologias e agenda de shows. Quanto mais fundo se ia entre o final dos anos 1990 e meados de 2000, mais se descobria sobre música, sociedade, política, estética, violência sistêmica e arte.

Personal Choice, Sick Terror, Dance of Days, Ludovic, Dominatrix —grupo que me apresentou o termo "homofobia", em sua música "Homophobia on a Tray"—, Anti-Corpos, Teu Pai Já Sabe?, Okotô, Pin Ups, Hats, Lava, Biônica, Biggs, Dealers, Guerrilha Civil, Wooden Man, Forgotten Boys, Garage Fuzz, Street Bulldogs, Nitrominds, Reffer, Holly Tree, Dead Fish, Mukeka di Rato, White Frogs, Paura, Fim do Silêncio, Are You God?, I Shot Cyrus, os festivais SP Punk, SP Independente, Street Rock, ABC Pró HC, Primata HC, Verdurada, Sinfonia de Cães, os picos onde rolavam shows menores —na Leste, por exemplo, nomes como o Luar Rock Bar, em Itaquera, Castelo Rock Bar (Esquinão), na região do Ermelino Matarazzo, Alternative Bar e Ska, na Penha, e Galpão Studio, em Ferraz de Vasconcelos. Palcos em que bandas regionais, como Refink, Diazed e Não Concordo, foram atrações principais.

Fora do centro classe média alta da cidade as cenas se faziam. Se os famosos que ocupavam as agendas do Outs e Inferno —este segundo no qual pude cobrir o show da banda inglesa GBH—, na Augusta, estavam a anos-luz das periferias quanto ao acesso a instrumentos musicais, a seu modo, como de costume, cada vila fazia do punk, hard core e metal estilos performados nos concretos palcos da vida cotidiana.

Ouvir um som, quem sabe formar banda, tocar no Silsi Rock Bar com goteira caindo no microfone e dando choques nos lábios, arrumar trampo, ajudar em casa, não sucumbir à depressão e ansiedade e, talvez, um dia comprar aquela Telecaster. Sem vislumbrar grandes festivais, gravadoras e seus ótimos estúdios, o real valor estava no mais puro e sofrido: faça você mesmo.

Anarquia, proletariado, burguesia, comunismo, religião, fascismo, racismo, homofobia, machismo, misoginia, conservadorismo e progressismo, tudo muito confuso, distorcido, misturado, tentando se organizar em subgrupos de rivais e aliados. Poderia ter sido capítulo em "Contracultura Através dos Tempos", de Ken Goffman, ou "Mate-me, por Favor", de Larry McNeil e Gilliam McCain. De repente, a nova edição do documentário "Botinada".

Menção importante, faço aqui, ao acervo gigante da TramaVirtual, plataforma que mudou essencialmente o intercâmbio entre bandas independentes e deu-lhes real visibilidade. Queria ter colocado mais nomes marcados neste período histórico das periferias. Não só as do Sudeste, mas dos vastos Nordeste e Norte, junto de suas bandas a organizar festivais, gravar álbuns e passar a mensagem engasgada. Muitas formadas por pessoas negras, vale sempre —e para sempre— ressaltar.

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