Nenhuma pessoa sensata esperava que Fernando Haddad fosse ao almoço anual dos banqueiros para fazer um discurso de ministro da Fazenda ou que anunciasse diretrizes concretas da política para gastos e dívida do governo Lula 3.
Foi o que disseram os próprios executivos financeiros que foram ao almoço da Febraban, na sexta-feira. O que chamou a atenção de várias dessas pessoas foi:
- Haddad não deu sinal de que Luiz Inácio Lula da Silva tenha algo a dizer de diferente do que vem afirmando desde que deu sapatadas na ideia de controle do endividamento público;
- Haddad falou de reforma tributária, inadimplência e estabilidade a fim de ocupar o tempo, de modo a não tratar de nenhum assunto espinhoso;
- Haddad não teve autonomia para nada, "falou menos que a equipe da transição na economia"; foi para representar Lula do modo mais "neutro" possível, o que é "compreensível", mas insuficiente;
- Haddad disse que a "qualidade" do gasto público precisa melhorar, o que ninguém discute. Mas, como foi "omisso" sobre a "quantidade", deu um "sinal desconfortável".
Gente mais irritada disse que "Haddad e o PT estão fora da realidade". Que o governo do PT ainda está "perdido ou vai seguir o que o Lula disse depois da eleição".
Gente mais analítica, por assim dizer, afirmou que o tempo do governo para publicar as diretrizes de um programa econômico e nomear uma equipe está acabando. Ainda assim, essas pessoas mais neutras dizem que, sem equipe, "não adianta especular" e que "ainda é possível corrigir tudo, basta querer".
Dentro do PT e mesmo na finança, há lobbies pró-Haddad e a favor de Alexandre Padilha na Fazenda. Plantam notícias e comentários a favor de um ou outro. Donos do dinheiro gostariam mesmo de um economista-padrão e de alta reputação, um "liberal". Se não for o caso, de um "político do PT" que nomeasse equipe "liberal".
A nomeação da equipe indicaria o que se vai fazer de essencial do problema econômico central do início de Lula 3. Isto é, qual o aumento de gasto federal, de saída, e daria uma diretriz para o controle do ritmo do endividamento (uma "meta" para a dívida pública e a regra de definição de gasto que será empregada a fim de se atingir esse alvo).
A depender do tamanho da "PEC da Transição", esse ritmo pode ser explosivo ou, ao menos, pode elevar juros e dólar, prejudicando o crescimento.
Lula insinuou que esse não é um problema central. Haddad não disse nada que pudesse atenuar os discursos do presidente eleito.
Em entrevista a Alexa Salomão, desta Folha, Pérsio Arida, da equipe de transição, foi mais informativo. Praticamente enterrou a ilusão de que poderia ir para o governo. Contou sumariamente o que propõe sobre o tamanho da "licença para gastar".
Não é a opinião do governo de transição para Lula 3. Mas é o que pensa uma pessoa preocupada com o endividamento e que procura assessorar o presidente eleito. Isto é, está lá para tentar uma solução realista em termos sociais, políticos e econômicos.
O que propõe Arida?
- O gasto federal em 2023 deve ser igual ao de 2022, em relação ao tamanho da economia, do PIB;
- Se o PIB crescer 2,5% no ano que vem, a "licença para gastar", o gasto além do previsto pelo Orçamento proposto para 2023, deveria ser de uns R$ 135 bilhões (o rascunho da "PEC da Transição" ora prevê R$ 198 bilhões). É o mesmo número já sugerido por Nelson Barbosa, da equipe econômica da transição e ministro da Fazenda de Dilma Rousseff;
- A "licença para gastar" dura enquanto não houver nova regra fiscal, que em tese vai definir limites para a despesa federal: no máximo dois anos. Se houver nova regra em 2023, para vigorar em 2024, a "licença" acaba em 2023;
Supondo que o PIB cresça menos que 2,5% em 2023, o gasto extra deveria ser menor do que R$ 135 bilhões, diz Arida. Por ora, uma previsão de alta do PIB de 2,5% é muito otimista (por ora, as estimativas rondam o 1%).
É um rumo para a discussão. No entanto, o comando do "governo de transição" para Lula 3 não veio a público para dar diretriz alguma. O discurso de Haddad tampouco.
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