O ano político foi consumido até aqui pelo horror do levante golpista de 8 de janeiro e pela querela das taxas de juros.
A taxa básica de juros subiu por uma conjunção danada de motivos. Se subiu demais ou se está ou permanecerá alta demais, pode até ser motivo de debate esclarecido, o que não tem sido o nosso caso. Mas não subiu por caprichos.
A fim de ter alguma noção dos motivos dessa alta, é preciso prestar atenção no que se passa pelo mundo —ser menos jeca. Embora sejamos capazes de cometer muita besteira e crueldade automutilatórias, o Brasil é uma miudeza carregada por correntes econômicas internacionais.
A partir do terço final de 2021, os preços começaram a subir rapidamente, aqui e lá fora. Talvez as taxas de juros tenham caído além da conta durante a epidemia, assim como talvez tenha havido algum excesso nos gastos de governos. No ambiente de recuperação até rápida do consumo de 2021, os choques de abastecimento da Covid fizeram o caldo entornar.
Houve escassez de transporte de mercadorias ou falta de peças e matérias-primas, entre outros problemas de quebra de uma cadeira de produção que é internacionalizada.
No final de 2021, começava também uma crise global de energia. A guerra de Vladimir Putin inflamou preços de combustíveis e ainda provocou carestia de commodities como comida, criou incerteza e deprimiu ânimos econômicos, em particular na Europa.
Além da avacalhação dos gastos do governo das trevas (2019-2022), notória em fins de 2021 (o que elevou juros no mercado, basta checar os registros), o Banco Central do Brasil teve de lidar com essa enxurrada de choques mundiais.
O Banco Central está certo em sugerir que a Selic talvez deva ficar em 13,75% até o fim do ano? Talvez não. Nem economistas de "o mercado" ainda acreditam nisso. A mediana das projeções compiladas pelo BC é de Selic a 12,75% no final deste 2023 (na onda de otimismo que vinha com a eleição de Lula, caíra a 11,25%. Com o sururu da querela fiscal e monetária, subiu).
Seja como for, a mudança do nível da Selic a curto prazo não vai fazer muito pelo crescimento do país, que depende de muito mais, inclusive do que se passa lá fora.
Na melhor das hipóteses, o biênio 2023-2024 será fraco na economia mundial, com inflação e juros ainda altos e, pois, baixo crescimento. Além disso, a epidemia, a guerra de Putin e a guerra fria sino-americana vão, ao que parece, transformar o modo pelo qual se produz e se comercia no mundo.
A gente ouve slogans bombásticos como "desglobalização", embora as mudanças não venham no ritmo, direção, sentido e forma apregoados pelos videntes. Mas estão vindo. Descarbonização, economia verde, produção em alguma medida mais local de tecnologias sensíveis e avançadas, procura de fornecedores mais confiáveis de componentes e matérias-primas, inteligência artificial: tudo isso tem sido objeto de políticas dos países centrais, a começar pelos Estados Unidos. Outros países do "Ocidente" virão a reboque. Para ser mais claro: isso quer dizer governos intervindo e gastando para induzir a economia a ir por aqui ou por ali.
Haverá oportunidades: ser um fornecedor confiável, descobrir nichos produtivos. Há riscos enormes: obsolescência tecnológica ainda maior e exclusão socioambiental de mercados (por produção "suja" ou por meio de exploração econômica aviltante).
Em fins de 2021, o Brasil era visto como um emergente com possibilidades maiores do que seus pares, a curto prazo. A médio prazo, podemos achar nichos ou vermos o resto da indústria que temos, como de carros, se tornar de vez obsoleta ou encontrarmos barreiras para nossas commodities ambientalmente incorretas.
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