Segundo o estudo, além de Känätsɨ e Híwa, ainda haveria três pessoas que poderiam conhecer o idioma. Um deles, o irmão mais velho Känätsɨ, sumiu há anos. Os outros dois, Mercedes e Carmelo, vivem na Bolívia, mas já não conversam mais em warázu.
"Parece que a 'vergonha étnica' que os warazúkwe experimentaram foi tão intensa que Mercedes não gosta de proferir palavra alguma no seu idioma e Carmelo afirma que esqueceu tudo", diz o estudo.
Da família linguística tupi-guarani, o warázu é apenas uma de dezenas de línguas brasileiras em perigo de extinção. Segundo o Atlas das Línguas em Perigo da Unesco, são 190 idiomas em risco no Brasil.
O mapa reúne línguas em perigo no mundo todo – e o Brasil é o segundo país com mais idiomas que podem entrar em extinção, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
Adauto Soares, coordenador do setor de Comunicação e Informação da Unesco no Brasil, explica que o mapa foi feito com a colaboração de pesquisadores especialistas em cada região e entidades governamentais e não governamentais.
No Brasil, as principais entidades que colaboraram foram o Iphan, a Funai, a Unaids e o Museu do Índio.
Soares explica que foram usados diversos critérios para definir se uma língua está em risco: o número absoluto de falantes, a proporção dentro do total da população do país, se há e como é feita a transmissão entre gerações, a atitude dos falantes em relação à língua, mudanças no domínio e uso da linguagem, tipo e qualidade da documentação, se ela é usada pela mídia, se há material para educação e alfabetização no idioma.
"Esse quadro (de línguas em perigo) pode ser revertido, e é por isso que a gente atua", diz Soares.
A morte de uma língua não é apenas uma questão de comunicação no dia a dia: a preservação da cultura de um povo depende da preservação do seu idioma. "Se a língua se perde, se perde a medicina, a culinária, as histórias, o conhecimento tradicional. No idioma estão a questão da identidade, o conhecimento do bosque, do mato, dos bichos", explica o linguista Angel Corbera Mori, do Instituto de Estudos da Linguagem, da Unicamp.
O número de idiomas em risco pode ser ainda maior do que o apontado pela Unesco, porque é possível que algumas línguas, que nunca foram estudadas, tenham ficado de fora – o warázu, por exemplo, não está incluso no mapa.
Além disso, é possível que existam dezenas de línguas em perigo em comunidades isoladas, que nunca foram descritas.
Estima-se que, antes da colonização portuguesa, existissem cerca de 1,1 mil línguas no Brasil, que foram desaparecendo ao longo dos séculos, segundo Corbera.
Ele explica que durante o período colonial, os jesuítas começam a usar o tupi como uma espécie de língua geral –o que foi visto pela Coroa portuguesa como uma ameaça. O tupi –e posteriormente outras línguas indígenas– foram proibidos. E quem desobedecesse era castigado.
A perseguição continuou por séculos. Na era Vargas, por exemplo, o português era obrigatório nas escolas, e quem desrespeitasse também estava sujeito a punição.
"A situação só melhorou a partir da Constituição de 1988", diz Corbera.
Segundo ele, uma das principais ameaças à língua hoje é a invasão dos territórios indígenas. "Políticas de preservação e registro da língua são importantes, mas não adiantam nada se eles não têm território, se são expulsos de suas terras", diz Corbera.
Alguns grupos que foram perseguidos têm o único registro escrito de suas línguas em trabalhos em naturalistas que visitam o país nos séculos passados. É o caso da língua dos povos do grupo Panará - nomeados pelos colonizadores de Caiapós do Sul – do aldeamento de São José de Mossâmedes, em Goiás, no século 18.
A única descrição linguística dos povos que ocupavam essa aldeia é encontrada em listas de palavras dos europeus Emmanuel Pohl (1782-1834) e Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), como descreve o linguista Eduardo Alves Vasconcelos em um artigo publicado no ano passado.
Uma das línguas que sobreviveram, ainda que em estado crítico, é o guató. O idioma tinha, em 2006, apenas cinco falantes, de acordo com a Unesco.
Os Guatô ocupavam praticamente toda a região sudoeste do Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia, até começaram a ser expulsos de suas terras entre 1940 e 1950, segundo o Instituto Sócio Ambiental (ISA), por causa do avanço da agropecuária.
Chegaram a ser considerados extintos pelo governo, por isso foram excluídos de programas de ajuda e políticas públicas, até meados dos anos 1970, quando missionários identificaram índios Guatô e o grupo começou a se reorganizar e lutar por reconhecimento.
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