Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Rastreio falho de munição dificulta investigações como a de Marielle

Sistema com dados de armas e projéteis otimizaria esforços, dizem especialistas 

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Mulher carrega vela em protesto contra a morte da vereadora Marielle Franco, assassinada no dia 14 de março, no Rio
Mulher carrega vela em protesto contra a morte da vereadora Marielle Franco, assassinada no dia 14 de março, no Rio - Leo Correa - 16.mar.18/Associated Press
Brasília

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), ocorrido no dia 14 de março, trouxe à tona a inexistência de um banco nacional com imagens escaneadas de munições e armas no Brasil. 

Se estivesse em funcionamento, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha, a ferramenta poderia indicar se a arma usada no homicídio já havia sido relacionada a outro crime e em que região do país ou do Rio de Janeiro.

No local do assassinato de Marielle, a polícia recolheu uma dezena de cápsulas. O número do lote de nove das munições usadas no crime é o mesmo de uma utilizada em uma chacina na região de Osasco (SP) em 2015 e que integrava um lote vendido pela CBC à Polícia Federal em 2006. 

Especialistas, porém, dizem ser quase impossível relacionar um fato ao outro apenas a partir do número do lote.

O lote vendido à PF tinha 1,8 milhão de munições. Ao longo dos anos, parte dela pode ter sido extraviada de inúmeras formas, como roubos e furtos de munições em poder dos policiais ou mesmo trocas amigáveis em operações conjuntas da PF com outras forças de segurança. Também não é possível descartar um desvio não detectado na própria empresa fabricante.

O cenário seria outro se o país contasse com um banco nacional que deveria ser alimentado por todos os estados com as cápsulas deflagradas encontradas em locais de crimes e de armas em poder das forças de segurança e vendidas no mercado nacional.

O sistema poderia ajudar a saber, por exemplo, se a arma que disparou contra Marielle já havia sido usada anteriormente em outros crimes em que também foram abandonadas cápsulas deflagradas. 

Uma vez determinado se a arma foi usada por milícias, grupos de extermínio, traficantes ou integrantes de forças de segurança, o foco da investigação sobre o assassinato poderia ser mais restrito, poupando tempo e recursos dos investigadores.

Em 2005, um grupo de peritos criminais da PF passou a estudar e formatar um sistema com esse potencial, segundo o presidente da APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais), Marcos Camargo. O investimento para todo o pacote foi estimado na época em R$ 80 milhões.

O projeto de indexação balística bolado pelos peritos era antes chamado de Sisbala. Em uma cartilha para emendas orçamentárias de 2018 produzida pelo Ministério da Justiça, o projeto aparece identificado como Sinab (Sistema Nacional de Análise Balística) —indicação de que o projeto não está engavetado e ainda pode se tornar realidade.

Segundo a APCF, os EUA e os países mais desenvolvidos da Europa há anos possuem equipamentos semelhantes. Para elaborar a proposta brasileira, os peritos da PF conheceram os principais sistemas e compararam as experiências de outros países.

A lei de 2003 que criou o Sinarm (Sistema Nacional de Armas) já previa a necessidade de o governo federal cadastrar “a identificação do cano da arma, as características das impressões” do projétil disparado, “conforme marcação e testes obrigatoriamente realizados pelo fabricante”.

CONTROLE

Daniel Mack, consultor independente em temas de redução da violência armada, diz que cartuchos deflagrados e projéteis são uma mina de ouro em termos de informação. 

“Mas tem que priorizar buscar, catalogar, analisar as informações, e para isso são necessários equipamentos, profissionais preparados, laboratórios de balística com recursos nos institutos das policias e polícia técnica-científica”.

“Toda e qualquer munição usada criminalmente ou apreendida pela política precisa ser analisada, rastreada e ser usada como dado em processos —não só os judiciários para culpabilizar o criminoso, mas os de inteligência para entender outros possíveis crimes cometidos com a mesma arma”, diz Mack.

O Comando do Exército, a quem cabe o controle do comércio de armas e munições, disse que não comentaria opinião de especialistas em segurança pública, mas mencionou que o Brasil “é um dos poucos países que possuem controle de rastreamento nas munições fabricadas, exigindo a marcação única na produção desse tipo de material”.

O Exército disse que no final de 2017, por meio da diretoria de fiscalização de produtos controlados, “estabeleceu as diretrizes de rastreamento, criando o Sisnar (Sistema Nacional de Rastreamento)”.

“O Sisnar representa um conjunto de recursos e ações que possibilitam tanto monitorar o produto durante o seu ciclo de vida quanto rastrear a sua origem quando esse é desviado desse ciclo”, informou o Exército.

Sobre a munição adquirida por órgãos públicos, a entidade afirmou que “é de total responsabilidade da instituição adquirente, não cabendo ao Exército a fiscalização quanto ao uso, armazenagem e controle de seus estoques”.

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