Trilha urbana com violão e camelô abafa música instrumental no Metrô

Das 18 estações da linha vermelha, em só 5 foi possível ouvir canção de projeto

Roberto de Oliveira
São Paulo

Quando tocam, as músicas instrumentais do Metrô são abafadas por uma trilha sonora urbana bem peculiar, produzida dentro dos próprios vagões. São rimas de ambulantes que satirizam a segurança para, de quebra, vender suas bugigangas, batalhas de rap improvisadas e interativas, duplas de violão e caixote na mão que fazem o público entoar hits populares.

As canções do Metrô de SP, que desde sexta (6) criou um set list com 200 músicas tipo elevador, que passeiam por ritmos como bossa nova, samba, MPB e jazz, viraram, no aperto e na correria do dia a dia, simples coadjuvantes.

É mais ou menos como se uma orquestra tentasse afinar os instrumentos e acertar o retorno enquanto a plateia comesse salgadinho, falasse ao celular e cantarolasse, tudo ao mesmo tempo.

“Quem consegue ouvir? Está tocando alguma coisa?”, pergunta a faxineira Joziele Mattos, 38, mexendo na carteira, à procura de moedas para comprar barras de chocolate Kit Kat, por R$ 1 cada uma.

“Agora que a porta fechou e o segurança não barrou, a promoção voltou”, anuncia, em tom elevadíssimo, o vendedor.

Joziele não se deu conta, mas, sim, estava tocando uma música instrumental bem baixinho dentro do vagão G-133, próximo à Patriarca, rumo à estação Corinthians-Itaquera, às 17h50 deste sábado (14).

Se era difícil ouvir a canção, aplicativos usados para reconhecer música tampouco obtinham sucesso na busca. Às 15h, eles nem precisaram ser acionados na estação Palmeiras-Barra Funda. Lá, não tinha música ambiente alguma.

“Achei bacana a iniciativa. Tocou Seu Jorge nesta semana. Só não sei qual foi a música. Hoje [sábado], peguei o metrô do Brás até a Barra Funda, mas não ouvi nada nem no metrô nem na estação”, disse Barbara Ariella, 24, autônoma.

Das 18 estações da linha 3-vermelha percorridas pela reportagem no sábado, em apenas 5 delas era possível ouvir alguma canção.

O Metrô disse que vai investigar o que ocorreu. Segundo a companhia, nas 55 estações das linhas 1-azul, 2-verde e 3-vermelha a música ambiente já deveria estar rolando.

Dos 142 trens que cobrem essa malha, o processo de implantação nos vagões ainda é gradual, ou seja, nem todos os carros estão musicados.

Ao custo de R$ 39 mil mensais, o projeto prevê mudar a seleção quinzenalmente. Hoje, constam canções como “Água e Vinho”, de Egberto Gismonti; “A Banda” e “Roda Viva”, de Chico Buarque; “O Leãozinho”, de Caetano Veloso; “Samba da Minha Terra”, de Dorival Caymmi; choros do flautista Altamiro Carrilho, para ficarmos no repertório clássico nacional.

Somente em taxas do Ecad (que cobra sobre o direito de execução das músicas), o valor gasto pela companhia gira em torno de R$ 15 mil.

A escolha das canções tem como propósito agregar conhecimento musical, como a apresentação de músicas clássicas, à musicoterapia, com o intuito de tornar o ambiente de deslocamentos uma área mais calma, menos estressante a quem circula pela cidade.

“Se era para acalmar, está tendo um efeito contrário. Tem ambulante que, para ser ouvido, berra ainda mais”, conta a estudante Raquel Castro, 18, moradora de Aricanduva (zona leste de São Paulo).

A partir desta semana, a CC&P (Cia. de Comunicação & Publicidade), contratada pelo Metrô, deve começar uma pesquisa para saber a opinião dos passageiros a respeito da trilha sonora das estações.

“Antes de colocar no ar, a empresa deveria ter ouvido quem usa o metrô diariamente”, critica a cuidadora Patrícia Rocha, 38. “Achei esse projeto nada a ver. Nos países desenvolvidos, você vê músicos tocando nas praças e até no metrô. Incentivam a cultura. Aqui, parece que as coisas não são feitas para atender aos interesses da população, que é quem paga a conta.”

O produtor cultural Igor Sganzerla, 24, diz que músicos são impedidos pelos seguranças de tocarem nos trens. “Esse projeto deles é uma forma de desarticular esses artistas.”

No vagão H-671, uma dupla consegue furar o bloqueio dos homens de preto. Um garoto de caixote na mão e outro de violão pendurado no pescoço —chapéu para a gorjeta estendido entre eles— posicionam-se próximos às portas. 

Em sintonia, engatam o hit “Que Nem Maré”, de Jorge Vercillo. O vagão se anima e explode em coro: “Nada vai me fazer desistir do amor. Nada vai me fazer desistir de voltar todo dia pro seu calor. Nada vai me 
levar do amor”.

Passa das 19h quando uma garotinha, aparentemente com sete anos, embarca suja e descalça na estação Guilhermina-Esperança, em direção à Barra Funda. Naquele momento, um silêncio orquestrado toma conta do vagão K-143. 

A criança caminha com parcimônia. Estende a mão em busca de um trocado. Alguma coisa está fora da ordem.


República
15h40 funcionário avisa que baixou o volume para anunciar uma chamada e esqueceu de aumentar o som


16h tocava “Carinhoso”, de Pixinguinha, audível somente no piso principal de acesso

Brás
16h25 o jazz de teclado da estação foi ofuscado por uma caixa de som bluetooth de 90 cm, carregada por um passageiro, tocando música sertaneja

Bresser-Mooca
16h35 som instrumental indetectável pelos aplicativos de descoberta de música

Belém
16h45 música ao vivo, produzida por uma dupla de violão e caixote que tocava ‘Que Nem Maré’, sucesso de Jorge Vercillo

Penha
17h35 música instrumental de violino num volume equilibrado, audível até mesmo na área de embarque e desembarque

Guilhermina-Esperança
17h40 o som ao redor ali era o de chinelos batendo no piso de borracha de um grupo de oito vendedores de tripés de celulares e fones de ouvido que corriam entre os vagões

Artur Alvim
18h é a estação da linha 3-vermelha que estava com a melhor acústica

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