De teatro a ministério, Brasília tem cemitério de prédios públicos vazios

Motivos vão de custo a opção de gestor; centro bilionário inaugurado em 2014 está desocupado

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Vista aérea do Clube do Servidor, em Brasília, que está desocupado desde 1997

Vista aérea do Clube do Servidor, em Brasília, que está desocupado desde 1997 Pedro Ladeira/Folhapress

Brasília

Um centro administrativo com 14 prédios em 182 mil metros quadrados de área construída, o teatro de maior importância histórica para a cidade, projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012), e um prédio de 26 andares ocupado apenas por uma agência bancária. Um bloco inteiro da Esplanada dos Ministérios, no coração do governo federal em Brasília.

São prédios e obras vazios ou subutilizados a poucos quilômetros do Palácio do Planalto. Os motivos variam de contenção de gastos a escolhas controversas dos gestores.

"O teatro [Claudio Santoro] é um escândalo, está praticamente em ruínas há anos. É um equipamento único, emblemático. Não pode ser privatizado porque é crucial que o governo tenha uma estrutura para oferecer ao público o que o mercado não quer oferecer", diz o professor Frederico de Holanda, doutor em arquitetura e urbanismo na UnB (Universidade de Brasília).

Construído a partir de 1960 e inaugurado em 1981, o Teatro Nacional Claudio Santoro tem suas três salas, com capacidade de 1.900 espectadores, interditadas desde janeiro de 2014. O Corpo de Bombeiros e o Ministério Público apontaram falhas de segurança e acessibilidade.

É o teatro mais importante da capital. Com sua forma que lembra uma pirâmide, marca o início da fileira norte de blocos ministeriais da Esplanada.

Após reparos que custaram R$ 41,5 mil, em dezembro, o Governo do Distrito Federal abriu aos turistas só o foyer de uma das salas e elaborou um plano de recuperação em cinco etapas. Só a primeira custará R$ 38 milhões, dinheiro que começou a ser captado.

A poucos quilômetros dali também está abandonado o bloco O da Esplanada desde dezembro de 2015, quando a Defesa o desocupou e o repassou para o Planejamento. 

A União gasta mensalmente cerca de R$ 48,5 mil com vigilância e energia do esqueleto de nove pavimentos. Segundo a assessoria do Planejamento, o prédio será repassado ao vizinho Ministério da Fazenda, "que o ocupará e se incumbirá de sua recuperação".

O bloco vazio na área mais simbólica de Brasília, a apenas 1,6 km do Palácio do Planalto, é cena surpreendente numa cidade em que os órgãos públicos têm se mudado, cada vez mais, para novos prédios construídos pela iniciativa privada e alugados a peso de ouro para a União.

O professor Antônio Carlos Cabral Carpintero, doutor em arquitetura e urbanismo da UnB, considera a prática absurda. "Nos anos 1950, o governo federal desapropriou o Distrito Federal. Construiu Brasília. Depois deu ou vendeu terrenos para terceiros, e agora eles constroem nesses terrenos para o próprio governo alugar?", diz.

O professor insere os prédios vazios num cenário de abandono da ideia de Estado. "Tudo o que lembra o Brasil está sendo renegado", afirma.

Para Holanda, o governo deveria estimular a modernização dos prédios que a administração considera hoje inadequados para sua função original. Caso não possam servir ao serviço público, que sejam direcionados para moradias.

Inaugurado em 2014, centro administrativo nunca foi ocupado

A 27 km do Palácio do Planalto, o Centro Administrativo do DF é hoje o maior elefante branco da capital, sem uma única sala ocupada pelo governo desde dezembro de 2014, quando foi "inaugurado" pelo então governador, Agnelo Queiroz (PT-DF).

Idealizado pelo governador José Roberto Arruda (2007-2010), ex-DEM, o empreendimento foi construído por uma PPP (parceria público-privada) para receber 13 mil servidores que hoje trabalham em prédios alugados na cidade.

O governo cedeu o terreno para a obra, financiada com cerca de R$ 1 bilhão, em valores atualizados, captados majoritariamente na Caixa Econômica por um consórcio formado pelas empreiteiras Odebrecht e Via Engenharia.

Segundo o contrato, após receber a obra, o governo pagaria ao consórcio um valor mensal estimado na época em R$ 12 milhões ao longo de 22 anos. Com o dinheiro, o consórcio quitaria sua dívida com a Caixa e outras instituições financeiras e garantiria seu lucro. Sem as mensalidades, porém, a pendência bilionária não foi paga.

Ocorreu que o governador que sucedeu Agnelo, Rodrigo Rollemberg (PSB), não aceitou receber a obra porque surgiram dúvidas sobre custo, viabilidade e legalidade. Pelas contas do governo, seriam necessários mais R$ 200 milhões para a mudança, sem contar obras viárias e de infraestrutura, gastos inviáveis para um estado com restrição orçamentária, crise no abastecimento de água e ameaça de atraso no salário do funcionalismo pela queda na receita.

Em seguida, Brasília foi impactada pela delação premiada da Odebrecht na Operação Lava Jato, que revelou propina em diversas obras no DF nas gestões anteriores, incluindo a do centro administrativo.
Três executivos disseram que a obra estava relacionada ao pagamento de propina a Arruda e a Agnelo na forma de doações eleitorais ou caixa dois --o caso está sob investigação no DF.

Em nota, o governo informou que "estuda a possibilidade de anulação do contrato, o que foi recomendado pela Controladoria Geral do DF" e disse que não contraiu "nenhuma dívida com instituições financeiras nem fez qualquer repasse ou desembolso ao consórcio, pois não recebeu o empreendimento".

O consórcio disse defender uma saída para o impasse, seja na forma da continuidade da operação, seja na rescisão do contrato, mediante indenização. Afirmou ainda que banca a guarda e zeladoria do local desde junho de 2014 e "vem atendendo a todas as exigências legais impostas no escopo da PPP".

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