Descrição de chapéu Alalaô

Bloco LGBTQ+ incentiva luta e resistência fora do Carnaval

Ao som de As Bahias e a Cozinha Mineira, Love Fest, em SP, reuniu público diverso e discurso político

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São Paulo

“Que esse espírito de contestação contra o estado absurdo a que chegamos siga depois do Carnaval”, disse Assucena Assucena, uma das vocalistas de As Bahias e a Cozinha Mineira, banda que arrastou uma multidão na avenida Tiradentes, na região central de São Paulo, numa tarde quente e sem chuva, nesta segunda-feira (4).

Formada por cantoras trans, As Bahias e a Cozinha Mineira tocou por três horas. Foi uma das atrações do bloco Love Fest, que neste ano reforçou ainda mais seu discurso em torno do respeito à diversidade e à liberdade do corpo. A apresentação celebrou as minorias e mandou um sinal de repúdio à violência de gênero.

No asfalto, entre uma reboladinha e uma agachadinha, a multidão gritava contra o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

“Mesmo sem essas frases de efeito, já seria um show político. Somos duas travestis no palco”, diz Assucena —ao lado de Raquel Virgínia, também vocalista e mulher trans.

A postura política e de valorização da diversidade não é novidade no Love Fest. O bloco nasceu no Carnaval de 2017 travestido de balada LGBTQ+ com pitadas políticas, mas, a julgar pelo que se viu na avenida, elas foram ainda mais incisivas desta vez. 

Ao lado da mulher e de dois filhos, o vendedor Giovanílson da Silva, 29, de Itaquera (zona leste), sentiu que sua família fazia parte da festa. “Nunca vi tanta gente —como se diz, mesmo?— ‘colorida’.” O bloco, opina, foi democrático. “A gente respeita e é respeitado”, disse, com o assentimento de sua mulher, Cleusa, 26.

Em seu primeiro Carnaval paulistano, a arquiteta Carolina Barreto, 24, de Campos (RJ), gostou do que viu na Tiradentes. “É um público mais liberal, mais receptivo. Aqui, há menos heteronormativos”, diz ela, que se identifica como bi. “É uma festa para reafirmarmos nossa identidade. Aquela frase ‘ninguém solta a mão de ninguém’ nunca soou tão verdadeira, tão intensa como agora.”

Era assim que casais de orientações sexuais diversas andavam entre a Pinacoteca e a estação Armênia do metrô. Homens beijavam a boca de homens, mulheres, a boca de mulheres. Homens, a boca de mulheres —e vice-versa.

A bandeira do arco-íris, símbolo da comunidade LGBTQ+, que decorava os caminhões de som, também virou bata de foliões e artistas. Usada ora como capa, ora como saia, era presença constante.

Muitos ali capricharam na fantasia de viés político. Além de laranjas e goiabeiras desenhadas em camisetas e cartazes, houve quem tenha saído de posto Ipiranga. A indumentária também tinha o intuito de provocar alguma reflexão.

De brincos coloridos, maquiagem de tons intensos e vestido azul-calcinha, o auxiliar 
jurídico Giovane Ramos, 23, morador do Jaraguá (zona norte da capital), estava, em suas palavras, fantasiado de princesa urbana. “Sim, ministra Damares, nós, gays, também vestimos azul.” Mais: “Esse vestidinho foi a maneira que encontrei de afrontar essa gente retrógrada que pretende nos jogar no calabouço da Idade Média. Eles não vão”.

Para a arquiteta Kilvia Passos, 24, de Aracaju (SE), também estreante no Carnaval de São Paulo, o que se viu ali na avenida Tiradentes foi uma massa de gente que não segue os preceitos da cartilha governista. “Como dá para ver aqui, somos muitos os que pensam diferente.” Para ela, é claro que o Carnaval abre caminhos para que as pessoas sejam mais livres e espontâneas, mas a folia deixa, sim, a sua marca de protesto.

Teo Duarte, 26, “professore” e “atore”, decidiu sair na avenida com os peitos de fora, mas cobriu os mamilos com uma tarja em cada um para evitar “chocar o povo no metrô”. O ato, porém, defende, é uma manifestação de liberdade. 

“Preferia não ter seios, mas já que os tenho, vão ter que engoli-los”, brinca.

Trans não binário (cuja identidade ou expressão de gênero não se limita às categorias “masculino” ou “feminino”), Teo afirma que as manifestações de liberdade, ecoadas neste Carnaval, deveriam ser incorporadas a uma pauta permanente “das pessoas que não pensam como eles”. A festa, conclui, acaba na terça. “A vida e os seus tristes preconceitos seguem depois dela.”

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