Caso Ágatha acirra crise entre Ministério Público Federal e procurador-geral no Rio

Em troca de ofícios que vierem a público, autoridades trocam farpas sobre competências de investigação

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Rio de Janeiro

Agora é oficial. A tensão entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Rio de Janeiro foi documentada, nesta terça-feira (24), em uma troca de ofícios entre o procurador-geral de Justiça do Rio, José Eduardo Ciotola Gussem, e a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.

Gussem reagiu, rispidamente, à atitude de Duprat de formalizar uma solicitação para que a investigação sobre o assassinato da menina Ágatha Vitória Sales Félix, 8, seja conduzida pelo Ministério Público do estado.

Além de encaminhada diretamente à Procuradoria-Geral de Justiça do Rio, a recomendação foi enviada ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Gussem retribuiu o ofício, lembrando que o combate ao crime organizado é tarefa do Ministério Público Federal.

“Diante do diálogo inaugurado por vossa excelência, entendo oportuno relembrar que o triste cenário de violência urbana vivenciado pelo estado do Rio de Janeiro repousa sua origem mais imediata no gigantesco mercado ilícito transnacional de armas e drogas que, há décadas, tem atormentado nosso estado”, diz o ofício de Gussem.

E continua: “De fato, o assombroso volume de substâncias entorpecentes ilícitas diariamente despejado em nosso território e o armamento de guerra ostentado pelos criminosos estão indissociavelmente ligados a cada um dos irreparáveis eventos que redundam na perda de vidas humanas”.

Dizendo-se firme nessa constatação, Gussem aproveita o “ensejo" para informar, "com igual espírito colaborativo", que as estruturas do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro estão prontas a contribuir com qualquer iniciativa do Ministério Público Federal que, valendo-se do poder de investigação criminal que lhe foi reconhecido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), tenha por escopo coibir o tráfico internacional de armas e drogas.

Como são instituições independentes, o Ministério Público Estadual não é hierarquicamente subordinado ao MPF. Ainda assim, Duprat encaminhou-lhe o ofício, cujo teor foi divulgado, na tarde de ontem, pelos sites de noticias.

Em sua resposta, o procurador-geral de Justiça do Rio ressalta que o ofício estava na imprensa antes mesmo de chegar às suas mãos. 

“Informo que o referido expediente, tornado público em jornais de grande circulação, antes mesmo de ingressar no Parquet fluminense, foi prontamente encaminhado por esta Procuradoria-Geral de Justiça ao órgão de execução com atribuição".

Em seu ofício, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão anexa notícias sobre o assassinato de Ágatha e faz um histórico sobre a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, em 12 de maio de 2017, condenou o Brasil pela violação do direito às garantias judiciais de independência e imparcialidade da investigação, a devida diligência e o prazo razoável nas apurações do caso Favela Nova Brasília. 

No documento, Duprat lamenta que as autoridades brasileiras estejam retardando o cumprimento das orientações da Corte desde então. 

"A Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou, portanto, ao Brasil, que em quaisquer casos de supostas mortes, tortura ou violência sexual decorrentes de intervenção policial, nas quais haja a possibilidade de responsabilidade de agentes policiais, a investigação seja, desde o início, conduzida por autoridade judicial ou pelo Ministério Público, assistidos por equipe policial”.

Gussem, por sua vez, conclui seu oficio afirmando que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro "confia que o efetivo compromisso no combate ao crime organizado, principalmente de natureza transnacional, representa providência urgente e essencial à prevenção da perda de vidas humanas, em absoluta sintonia com os mais fundamentais princípios de proteção e promoção de Direitos Humanos”.

O caso Ágatha apenas acirra uma crise já em curso. No dia 17, último dia à frente da instituição, a então procuradora-geral, Raquel Dodge, solicitou a federalização das investigações sobre a assassinato da  vereadora Marielle Franco, além de pedir a abertura de inquérito no STJ (Superior Tribunal de Justiça) para apurar uma eventual participação do ex-deputado Domingos Brazão no episódio.

Em resposta, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) afirmou, em nota, que Dodge estava “obstinada em federalizar o processo” e defendeu que a investigação permanecesse na esfera estadual.

Responsável pelo controle externo da atividade policial e sistema prisional, a 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal divulgou uma nota afirmando que, "diante da morte brutal da menina Ágatha Vitória Sales Felix, vem manifestar, mais uma vez, sua preocupação com a política de segurança pública que vem sendo implantada no Estado do Rio de Janeiro".

"Uma política de segurança que, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), apenas neste ano, já gerou 1.245 mortes de civis decorrentes de operações policiais, dentre os quais cinco crianças, não pode ser considerada como eficiente e compatível com o Estado Democrático de Direito”, diz a nota.

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