Backer não deixa claro como prestará auxílio a pacientes com suspeita de intoxicação

Familiares reivindicam ajuda para tratamento e reclamam da forma como a cervejaria mineira lida com a questão

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São Paulo

A Backer afirmou na noite da quinta-feira (6) que prestará assistência psicológica aos pacientes com suspeita de intoxicação pelas cervejas produzidas pela empresa mineira, mas não deixou claro se e como fornecerá auxílio no tratamento médico dos envolvidos.

“Ficou definido que a ‘logística’ [sic] do atendimento (total ou parcial) será definida e formalizada junto aos familiares, uma vez que há pedidos que extrapolam o mero fornecimento de recursos financeiros”, afirmou a empresa no comunicado.

No entanto, familiares e representantes dos pacientes afirmaram à Folha que não foram informados do teor do documento, no qual a empresa citava o nome da profissional que estará à disposição para atendimento psicológico e afirmava que enviaria posteriormente o contato dela para agendamento.

Na quinta-feira da semana passada (30), a cervejaria, pacientes e familiares entraram em acordo para que fossem conduzidas entrevistas individuais com dez afetados que entraram procuraram a empresa e o Ministério Público, que mediou as negociações.

Os encontros serviriam de base para a decisão da empresa sobre o fornecimento de tratamento, que deveria ser anunciada no prazo máximo de 72 horas —prazo que expirou na quinta. 

Na ocasião, os pacientes e seus familiares reivindicaram o fornecimento de assistência psicológica e o reembolso de despesas médicas, como coparticipação de planos de saúde, medicamentos e tratamentos de fisioterapia, fonoaudiologia e nutrição. 

Os afetados também pleitearam a contratação de cuidadores e a disponibilização de hospedagem para famílias que viajam do interior para acompanhar parentes em Belo Horizonte, cadeiras de rodas e de banho, gaze e itens de farmácia, entre outros.

Familiares de Josias Moreira de Matos, que foi internado com suspeita de contaminação por dietilenoglicol em 13 de janeiro, pediram que a empresa bancasse o tratamento dele na rede privada.

“Meu pai ainda aguarda na fila para realizar exames no SUS, e não conseguimos receber todos os remédios que ele tem que tomar”, diz Dayane ​Hulda, filha de Matos. Ela teme que a demora leve a uma piora do quadro de seu pai, principalmente porque os médicos ainda não decidiram se ele deve se submeter a sessões de hemodiálise.

Taxista, ele parou de trabalhar por não conseguir movimentar o braço direito e estar com parte da visão comprometida. 

Nas entrevistas individuais, que ocorreram na segunda-feira (3), advogados da empresa pediram aos pacientes que preenchessem um questionário que incluía perguntas sobre o consumo das cervejas da marca —data, quantidade, lote, entre outros detalhes. 

Também foram feitas perguntas sobre o passado médico de cada um, como histórico de doenças neurológicas, nos rins e no fígado.

Entre os sintomas da contaminação por dietilenoglicol, uma substância anticongelante que é apontada como a causa da intoxicação, estão alterações neurológicas e danos ao sistema renal. 

Advogados de pacientes ouvidos pela Folha criticaram o pedido por essas informações argumentando que elas poderiam ser usadas como provas contra os próprios afetados em um eventual processo judicial —ao menos cinco deles deles orientaram seus clientes a não responder as perguntas ou parte delas.  

Guilherme Leroy, que defende um paciente com suspeita de intoxicação que pediu para não ser identificado, afirmou que os representantes da cervejaria “não estavam preocupados com a situação de cada um, mas com a coleta dos dados que eles queriam”.

“O que nós percebemos é que o propósito da empresa era muito mais coletar informações sobre a conduta da vítima e a relação dela com a contaminação, no sentido de dizer o seguinte: será que realmente sua intoxicação decorreu do consumo da Backer?”, diz Fernando Bahia da Fonseca Silva, advogado de Ney Eduardo Vieira Martins, 64. 

Silva afirmou que entrará com uma ação judicial contra a empresa, uma vez que o prazo para que a Backer respondesse as demandas expirou, e as tentativas de negociação foram infrutíferas. 

Alguns dos participantes da reunião mediada pelo Ministério Público e das entrevistas individuais relataram também que se sentiram ofendidos pela forma como foram tratados pelos representantes da empresa.

“Na segunda, quando saí da reunião, achei que parecia que eles não estavam a fim de ajudar. Espero que eu esteja errada, mas a empresa parece querer ganhar tempo”, disse Dayane. 

Leroy afirmou que os representantes da cervejaria disseram durante a entrevista que “‘a Backer é vítima no caso’ e que ‘as vítimas não sabiam o que a Backer estava passando’”. 

 “O tratamento humanitário que eles [Backer] alegam prestar não existiu”, diz. 

Procurada pela Folha, a empresa afirmou que sua responsabilidade legal no caso ainda não foi determinada e que está prestando apoio aos pacientes “por uma questão humanitária. Portanto, não há que se falar em produção de provas.” 

A cervejaria afirmou que buscará acordos extrajudiciais com os afetados.

Ainda segundo a empresa, o preenchimento do questionário não era obrigatório e as questões tinham como objetivo um melhor entendimento sobre o estado de saúde de cada paciente para que fosse prestada a ajuda adequada. Também foi entregue ao Procon documentos que comprovam esses atendimentos.

Segundo Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, cerca de 30 pessoas podem ter sido intoxicados por cervejas da marca. Até a semana passada, o Ministério da Agricultura contabilizou 41 lotes de bebidas da Backer contaminados. 

Até o momento, seis pessoas morreram com suspeitas de intoxicação —em apenas uma das vítimas foi verificada a presença de dietilenoglicol. 

Ainda na quinta-feira, o Ministério da Justiça abriu um processo administrativo contra a Backer. O órgão diz que a cervejaria não foi ágil no recolhimento de produtos perigosos, e só anunciou um recall após ser notificada.

Caso condenada, a empresa pode ter de pagar multa de até R$ 10 milhões.

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