Descrição de chapéu

Com suas vozes ainda silenciadas, LGBTIs resistem vivendo

Stonewall não foi uma festa na piscina: foi uma rebelião contra a atrocidade policial, feita de raiva, purpurina e sangue

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São Paulo

Natasha Lobato, 30. Karina Silva, 22. Isabelle Colstt, 27. Nomes de três mulheres transexuais e travestis assassinadas somente neste ano no Brasil. A Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) registra que, nos dois primeiros meses de 2020, o número de assassinatos do tipo aumentou 20%
no Brasil. Durante a quarentena, a alta chega a 13%.

A pesquisa “Lesbocídio – As histórias que ninguém conta” contabilizou 180 casos de assassinatos de mulheres lésbicas entre 2000 e 2017.

Por vivermos em um país recordista em assassinatos de LGBTIs, corre-se o risco de normalizar o horror. Vidas se reduzem a números e corpos chegam a não pesar.

Todo dia 17 de maio, jornais se encharcam do sangue de LGBTIs. Tornou-se praxe relembrar, como um ritual, mortes em números. Todo 17 de maio é lembrado que, em 1990, a Organização Mundial da Saúde retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID).

Mas só em 2019 o órgão legislativo da OMS retirou “transtornos de identidade de gênero” do capítulo de doenças mentais, vitória histórica para pessoas trans.

Engana-se quem pensa que, sob Bolsonaro, a agenda LGBT está dormente: pelo contrário, LGBTIs estão no centro do debate público, seja como alvo, seja como resistência.

Sob Bolsonaro, a LGBTfobia se torna política de estado. Ao propor lutar contra moinhos de vento, como ideologia de gênero, Bolsonaro inaugura fase que vai além das políticas de invisibilidade ou de apoio relutante. Seja no critério teocrático para nomeação ao Supremo Tribunal Federal, seja na política externa olavista, Bolsonaro aposta na LGBTfobia como arma política.

O Legislativo vive, por sua vez, silêncio sepulcral quanto a direitos LGBTIs, tendo sido incapaz de aprovar uma lei sequer para protegê-los. A contrassenso, pesquisas, como a de Gustavo Gomes (Universidade Federal de Pernambuco) têm mostrado que historicamente partidos, do PSOL ao MDB, contam com setoriais LGBTIs. O pleito de 2018 teve recorde de candidaturas LGBTIs.

Nadando na contramão, parte do Judiciário tem barrado disparates como censura a filmes e livros LGBTIs. Que fique claro que isso não é um maná jogado dos céus: o Judiciário apenas tem avançado em direitos, em especial o STF, por articulação estratégica
de movimentos LGBTIs.

Avanços no STF não são triviais: a saga do casamento homoafetivo, desde o reconhecimento da união estável em 2011; a autorização para mudança de nome e gênero no registro civil sem necessidade de cirurgia em 2018; a criminalização da LGBTfobia em 2019; e a derrubada de uma lei municipal de ideologia de gênero neste ano.

No último dia 8, o mais recente avanço no STF, pela liberação da doação de sangue por homens que fazem sexo com homens, teve o placar mais apertado entre as conquistas, 7 votos a favor e 4 contra. Alguns desses votos decepcionaram. O ministro Ricardo Lewandowski afirmou, em voto seguido pelo ministro Celso de Mello, que o STF “deve adotar uma postura autocontida”. Espera-se que o pêndulo da corte não se incline para a passividade dos outros poderes.

LGBTIs resistem vivendo. Stonewall não foi uma festa na piscina: foi uma rebelião contra a atrocidade policial, feita de raiva, purpurina e sangue. Se o poder político nos escutasse, talvez não precisássemos gritar.

Erramos: o texto foi alterado

A pesquisa “Lesbocídio – As histórias que ninguém conta” contabilizou 180 casos de assassinatos de mulheres lésbicas entre 2000 e 2017, e não entre 2017 e 2000. O texto foi corrigido.

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