Valnir da Silva morreu na rua de um bairro pobre do Rio no sábado (16). Seu corpo ficou estendido na calçada por 30 horas, de acordo com parentes e vizinhos.
Pode ser que nunca tenham certeza, mas eles suspeitam de que o homem de 62 anos seja uma vítima não contada do coronavírus que se espalha pelas comunidades marginalizadas do Rio, levando os serviços públicos ao limite.
Enquanto boa parte da Ásia e da Europa passam do pior momento da pandemia, o Brasil está se aproximando do pico, com mais de 18 mil mortos. O maior país da América Latina passou o Reino Unido nesta semana no triste número de casos confirmados, ficando atrás da Rússia e dos Estados Unidos.
As mortes do estado do Rio ficam atrás apenas daquelas em São Paulo, mais populoso. A pandemia está enchendo UTIs (unidades de terapia intensiva) e deixando descobertos os serviços de emergência.
A reportagem da Reuters estava cobrindo uma operação policial no domingo (18) quando ficou sabendo do corpo na favela da Arara.
Quando a reportagem chegou ao local por volta das 7h, achou o corpo de Silva no mesmo local onde, segundo moradores, ele havia morrido na manhã de sábado —entre uma fileira de carros estacionados e uma pequena quadra de futebol.
Um grupo de moradores em um bar próximo disse que a vida de Silva começou a se deteriorar depois da morte de sua mulher há alguns meses, depois do que ele passou a viver na rua.
No sábado, quando Silva reclamou de que não conseguia respirar, moradores disseram que chamaram uma ambulância, mas que ele morreu antes de o socorro chegar.
Alguns residentes achavam que ele tinha morrido de Covid-19, a doença respiratória causada pelo coronavírus, mas ninguém tinha certeza. A doença chegou ao Rio trazida por moradores mais ricos que voltaram da Europa, mas desde então se espalhou por bairros pobres.
A ambulância chegou por volta das 16h de sábado, segundo moradores, mas foi embora sem levar o corpo. Paramédicos anotaram sua morte como parada cardíaca e outra causa incerta, de acordo com a certidão de óbito vista pela Reuters.
O serviço de ambulâncias disse que não era responsável por remover o corpo e não esclareceu se Silva foi testado para coronavírus.
Na manhã seguinte, o enteado de Silva, Marcos Vinicius Andrade da Silva, 26, tentou achar outra autoridade para levar o corpo. Ele disse que falou com policiais, que alertaram a 21a Delegacia de Polícia Civil, próxima dali, mas nada aconteceu. Um porta-voz da polícia disse que ela é responsável por remover corpos só em caso de crimes.
Depois de passar o dia ao telefone, o enteado disse que uma equipe funerária chegou às 17h de domingo. "Ficamos aliviados por o terem levado... mas também muito tristes pelo que aconteceu", disse ele.
Na segunda-feira, Silva foi enterrado em uma cerimônia à qual assistiram quatro pessoas, entre elas Marcos e sua mãe.
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