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Espetáculos para ver da varanda são aposta de moradores em quarentena

Ações usam áreas comuns de condomínios e trazem DJ, músicos e arrecadam doações

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Santos e São Paulo

Música ao vivo, DJ, videokê, telão, bolo e pessoas pulando e cantando são comuns em festas em tempos normais. Mas como fazer comemorações diante das regras de isolamento social?

Prédios paulistas de alto padrão têm resolvido a questão usando a área aberta dos condomínios para apresentações musicais e shows de luzes que os moradores possam ver da varanda, sem desrespeitar a quarentena vigente no estado de São Paulo desde 24 de março.

Foi assim que William Jedwab conseguiu comemorar o seu aniversário. E ainda arrecadou doações.

Partiu do empresário Ulysses Lopes, 30, fazer as vezes de cerimonialista. Dono de uma empresa de marketing, ele já organizou quatro festas do tipo até o momento, sendo três em Santos e outra na capital.

Nos shows, ele faz parceria com o DJ Tiago Lobo Azevedo, que se apresenta e fornece efeitos de luz e som. A aposta é em interação com os apartamentos, com videokê e transmissão na internet.

"Montei um cenário vistoso para quem estivesse nos apartamentos mais altos. Imaginei que seria interessante colocar uma live, pela altura dos prédios. Interagimos com o público, colocamos música para crianças. As pessoas ficam tão empolgadas que acabam fazendo doações", conta Lopes.

Nos dois primeiros eventos, foram arrecadados quase 3.000 itens de higiene pessoal e limpeza. Só em álcool em gel, foram 500 litros. As doações têm sido destinadas a entidades carentes do estado ou moradores de rua.

“As pessoas choraram”, lembra Jedwab, o aniversariante, que mandou bolo para todos os moradores, inclusive um vizinho que, com uma filha pequena, reclamou e obrigou a festa a acabar antes do horário combinado, 22h.

Para ele, os moradores se sentem unidos pela crise; ajudar com doações, diz, também ajuda a "reverter essa sensação de impotência".

O cantor de pagode Mumuzinho concorda. Ele foi um dos primeiros a fazer shows para seus vizinhos, no fim de março, direto de sua varanda, na Barra da Tijuca, no Rio. A apresentação não teve transmissão na internet —era uma ação com o programa Fantástico, da Rede Globo.

O artista, que teve coronavírus, mas se recuperou, pensa em marcar uma próxima edição, destacando a importância da música neste momento, "seja para levar a alegria aos lares, seja para arrecadar doações”.

Para Thiago Souza, 31, tecladista habituado a tocar em eventos corporativos, festas de formatura e bares e casas de show, a quarentena vinha representando um desafio financeiro.

Após insistência da esposa, pediu ajuda do cunhado, Daniel, 37, também músico. Os dois montaram uma pequena estrutura em frente à piscina, entre as duas torres do condomínio Mistral, na Vila Formosa (zona leste de São Paulo), onde Souza mora.

Hoje, os dois, que nunca haviam tocado juntos, já vão para a 11ª apresentação. O tecladista conta que marcas começaram a pedir menções na transmissão, e que eles também divulgam ações de moradores do condomínio que tentam vender alguma coisa, por exemplo comida, para os vizinhos.

“É você fazendo a mesma coisa que fez a vida inteira, mas de forma totalmente diferente. A gente transmite pelo YouTube, mas nossa intenção é interagir com quem está ali. Fazemos uma festa, mas com todo mundo de longe, porque isso é o mais importante, manter o distanciamento social”, resume o tecladista.

Uma das atrações dos espetáculos da empresa de Ulysses Lopes é um drone, que faz imagens do evento e dos moradores interagindo das varandas. O pessoal pode acompanhar ao vivo pela internet e por um telão voltado para as sacadas.

O responsável pelo equipamento é o fotógrafo e cinegrafista Leandro Amaral, um dos 17 membros da equipe de Lopes. Todos eles se munem de máscaras e álcool em gel. Os equipamentos usados são higienizados antes e depois da montagem.

Amaral também participa de outros eventos parecidos em Santos. Na sexta (1º), foi convidado a registrar imagens de uma festa em um condomínio da Ponta da Praia, bairro nobre da cidade.

O músico Luizinho Mastellari, do Grupo Feitiço, bastante conhecido na região, se apresentou no evento, que arrecadou alimentos não perecíveis e produtos de higiene para doação.

"Foi bom demais. Uma sensação única", descreve Mastellari, que diz que se sentiu tocando em um estádio, pelo fato de o local ser cercado por vários edifícios. Na opinião do músico, as pessoas estão carentes de diversão.

O tecladista Thiago Souza e seu cunhado estão habituados a trabalhar em eventos, e não na frente de um “paredão de concreto”. Mas, conta, o repertório que vai do sertanejo ao rock, passando por pagode, forró e MPB, ajuda a cativar o público.

No clássico "We Will Rock You", da banda Queen, eles pedem que os moradores do condomínio se dividam em dois grupos; um batia panelas nas duas notas do surdo da bateria, o outro, na nota aguda da caixa.

“O Daniel veio com a ideia de fazer uma música, como uma oração, para mandar boas energias, e fizemos 'Hallelujah' [do canadense Leonard Cohen]. Independente da crença, estamos numa fase difícil, tem pessoas precisando desse pensamento positivo, e foi lindo”, diz.

A produtora de eventos Mariana Céspedes, 30, teve em seu condomínio na Ponta da Praia, em Santos, apresentações desse tipo. A Baixada Santista é uma das mais afetadas pela doença —só em Santos, são 813 casos, com 60 óbitos. Em toda a região, os infectados passavam nesta segunda (4) de 1.800, com 136 mortes.

"Serve para distrair um pouco as pessoas nesse momento. São muitas notícias negativas e coisas ruins passando na TV, e por três horas as pessoas cantam, dançam e se sentem bem. E seguros, da varanda de casa", opina.

Nem tudo, porém, é festa, e nem toda festa agrada a todos. No Morumbi, zona oeste de SP, a terapeuta Lívia Deodato, 37, exercitou a paciência no feriado de 1º de Maio.

Um set list que nem de longe a agradava tocou em uma das varandas da vizinhança, por três horas e meia. "Eles não têm limite. Eram músicas que se repetiam, não faziam o menor sentido, tipo música de FM", diz.

Essa não foi a primeira vez que seus vizinhos fizeram festa barulhenta. Segundo a terapeuta, outro problema foi que, em uma das ocasiões, era possível ouvir vozes do que ela identificou como uma aglomeração durante a quarentena. "Isso é o que dá mais angústia de pensar", afirma.

Colaborou Emílio Sant'Anna, de São Paulo

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