Cacique Raoni tem quadro estável após passar mal e ser transferido de hospital em Mato Grosso

Líder caiapó mundialmente conhecido teve hemorragia e vem sofrendo de depressão desde a morte da esposa

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São Paulo

O cacique Raoni Metuktire, 89, conhecido internacionalmente pela defesa dos direitos dos povos indígenas, está internado em um hospital de Mato Grosso.

O quadro de saúde de Raoni se agravou na última quinta-feira (16), quando passou a sofrer hemorragia, diarreia e muita indisposição.

Ele foi levado às pressas de sua aldeia, no Parque Nacional do Xingu, até o hospital Santa Inês, na cidade de Colíder, a 648 km de Cuiabá (MT). Lá ficou hospitalizado por dois dias.

No final da tarde deste sábado (18), ele foi transferido de avião para um hospital com melhor estrutura clínica no município de Sinop, também no estado. O líder caiapó não possui sintomas de Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, segundo a equipe médica que o atende.

De acordo com o Instituto Raoni, o cacique apresentava, na tarde deste domingo (19), "um quadro estável depois de ter recebido transfusão de sangue".

Existe a suspeita de que o indígena esteja sofrendo um sangramento digestivo. "Mas o processo de investigação clínica para determinar as causas ainda aguarda exames que estão sendo realizados", informou o instituto.

Cacique Raoni, líder da etnia Caiapó, em evento na Bahia
Cacique Raoni, líder da etnia Caiapó, em evento na Bahia - Mateus Pereira/GOVBA

O sobrinho-neto de Raoni, Patxon Metuktire, disse à Folha que o líder dos caiapós passou a se alimentar mal após a morte da mulher dele, Bekwyjkà Metuktire, ocorrida em junho. “Eu estive lá e vi que o meu tio ficou muito triste. A morte dela tem muita relação com esse adoecimento dele”, afirmou.

Com um aparente quadro depressivo, Raoni disse ao sobrinho-neto que também está muito preocupado com o avanço do coronavírus nas aldeias. “Ele relutou muito em querer vir para o hospital por medo de pegar essa doença”, disse.

O Hospital Santa Inês, onde Raoni estava hospitalizado, não contava com estrutura suficiente para exames mais elaborados, contou o médico Eduardo Massahiro Ono. “O Raoni está sofrendo uma hemorragia digestiva, e só um diagnóstico mais preciso vai apontar onde esse sangramento está localizado. Aqui, não conseguimos fazer esse procedimento”.

No sábado, Raoni estava lúcido, mas ainda muito debilitado. À Folha disse apenas que “está ficando forte novamente”.

ÍNDIO MUNDIALMENTE CONHECIDO

Liderança de importante atuação na luta pela preservação da Amazônia e dos povos indígenas, Raoni também tem influência na formação da Constituinte de 1988. Na mesma década, ganhou projeção internacional ao partir para um périplo junto ao músico Sting por diversos países.

Raoni não se chama Raoni nem é precisamente um caiapó. Seu verdadeiro nome é Ropni (“onça”), e ele pertence aos Mebêngôkre do grupo Metyktire.

“Caiapós” foi a designação pejorativa —significa semelhante a macaco— dada por outros povos. Nas décadas de 1970 e 1980 circulava também o termo “txucarramães”, guerreiros temidos por sua disposição para a luta.

Detalhes etnolinguísticos à parte, foi como Raoni Metuktire, o chefe caiapó, que sua fama correu o mundo. Fama inseparável da imagem com o cocar amarelo e o botoque do tamanho de um CD no lábio inferior.

Raoni beira hoje os 90 anos. Ele nasceu por volta de 1930 a 1932 e pertence à geração dos Metyktire que foi contatada pelos irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas-Bôas.

Os sertanistas tentavam proteger as populações indígenas durante a ocupação do Brasil Central nas décadas de 1940 e 1950. Em 1961 criou-se o Parque do Xingu para abrigar várias etnias, inclusive caiapós.

A partir daí, os caiapós começaram a reivindicar a posse de seus territórios tradicionais fora do parque, entre Pará e Mato Grosso. Raoni destacou-se como liderança combativa, mas disposta a negociar. Até com o presidente Juscelino Kubitschek e Leopoldo 3º, rei da Bélgica, encontrou-se.

Em 1973, trava contato com o cineasta belga Jean-Pierre Dutilleux. Daí nasceria o documentário “Raoni”, que fez sucesso no Festival de Cannes em 1977. Alguns anos depois, Dutilleux o apresentaria ao músico britânico Sting.

Em 1984, tomou parte no que ficou conhecido como Guerra no Xingu. O presidente da Funai, Otávio Ferreira Lima, faltou a uma reunião sobre demarcação de terras na aldeia Kretire.

Enfurecidos, os índios bloquearam a rodovia BR-080, que cortava o parque e tomaram funcionários da fundação como reféns por cinco semanas.

O chefe caiapó e seu sobrinho Megaron eram os mais moderados e teriam sido decisivos para impedir maus tratos aos reféns.

Os indígenas só cederam quando o ministro do Interior, Mário Andreazza, aceitou se reunir com eles. No encontro em Brasília que sacramentaria a demarcação, Raoni puxou a orelha do ministro da ditadura e lhe disse: “Aceito ser seu amigo, mas você tem que ouvir o índio”.

Raoni teve depois participação destacada na Constituinte, ao lado de Ailton Krenak e outros, que acabou por consagrar o direito originário dos povos indígenas a suas terras ancestrais na Constituição de 1988

ATAQUES DE BOLSONARO

No governo Bolsonaro (sem partido), Raoni passou a ser alvo de ataques depois de se reunir com o presidente da França, Emmanuel Macron, em Paris, e com o papa Francisco, no Vaticano, em maio do ano passado.

Na ocasião, Raoni disse que fora procurar apoio e recursos na Europa para financiar atividades de fiscalização e proteção das terras indígenas caiapós no Brasil e que pretendia conversar também com Bolsonaro. O presidente brasileiro, porém, não recebeu o líder caiapó em audiência.

Em julho de 2019, Bolsonaro disse que não reconhecia Raoni "como autoridade, uma autoridade aqui no Brasil. Ele é um cidadão, como outro qualquer que nós devemos respeito e consideração. Mas ele não é autoridade".

Bolsonaro subiu o tom durante o discurso na Assembleia Geral da ONU, em setembro. "Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peças de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia."

Em resposta, Raoni disse que Bolsonaro "não tem coração bom" e que o presidente é que "não é liderança e tem que sair [do governo]". Para o encontro que presidiu na aldeia Piaraçu, Raoni convidou membros do governo, mas nenhum representante foi enviado ao evento.

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